sábado, junho 09, 2012

Pontes para dias mágicos

Muita gente coleciona de tudo. Latas de cerveja, maço de cigarro, selo. Tudo é possível de ser colecionado. Eu também gosto de colecionar: palhetas. Sabe aquele pedacinho de plástico usado pelos músicos para tocar guitarra, baixo? Pois é, eu coleciono.

Quem não é do ramo, pode achar que elas são todas iguais. Não, não são. Os formatos são distintos, as grossuras, os modelos, os materiais. Tudo pode variar em uma palheta.

Minha decisão de colecionar palheta não foi paixão. Aliás, não sei se posso chamar meu conjunto de palhetas de coleção. Assim seria se eu tivesse aos milhares e de diversos formatos. Não, não as tenho. Tenho algumas poucas, mas todas especiais.

Minha "coleção" pode ser chamada de lembranças. Sim, é isso. Elas começaram assim e continuam sendo lembranças. Todas as que tenho me remetem a uma data. Normalmente a um show. Normalmente de rock e pesado.
Palheta Sepultura
Dessas lembranças, impossível esquecer a primeira. Acredito que todo colecionador deve se lembrar daquele item que deu gênese à coleção. Comigo não é diferente. Em 199.... e poucos, fui ao show do Sepultura no Olympia, em São Paulo. Não tive dificuldade em chegar à frente do palco. Nunca tenho. Guitarra vai, barulho vem, pedi a palheta para o ex-vocalista Max Cavalera. Ele me olhou no olho e com a cabeça fez que sim. No meio da porradaria, pode parecer papo de louco, mas só compreende a possibilidade disso, quem está ali na frente do palco. O show rolou. A uma certa hora, ele veio com a mão trazendo a palheta. A mão fechada. A galera tentando pegar. Colocou na minha mão. Quando percebeu que não tinha chance de pegarem, ele soltou.
Palheta do Max -  A primeira
Ali começava meu álbum de lembranças e minha decisão de ir à frente dos shows para conseguir aqueles objetos que ajudam a dar som e velocidade à música e contribuem à minha memória não declarativa.

Em outro show também do Sepultura ganhei palheta do Andreas. A palheta vem escrito Enéas, ao invés de Andreas.

Palheta do Andreas - Sepultura

Em 1993, no show do Metallica, ou melhor, logo após o show, quando ainda estava no gramado do Parque Antártica, logo em frente ao palco, achei caída uma das palhetas que o Jason Newsted tinha jogado.
Metallica

Dessa mesma forma, consegui a palheta do Marty Friedman, do Megadeth em outro show.

Megadeth
Bom, mas nem só com histórias simples é possível obter uma palheta. A com a história mais maluca que consegui foi a do guitarrista Zakk Wylde, quando ele tocou com o Ozzy Osbourne, aqui no Brasil, em 2008. Nesse show, graças a um amigo, fiquei no palco. Assisti todos ali do lado esquerdo do palco: Black Label Society, Korn... Mas antes do Ozzy entrar, todos tiveram que sair e fomos levados para a frente do palco, junto com os policiais e bombeiros.

Não sei ao certo, mas nesse show Zakk estava com um dedo sangrando. Pelo que já li, ele se cortou em um show ocorrido dias antes no Rio de Janeiro, ao pular na plateia e brigar com um fã que puxou a guitarra dele e não queria devolvê-la.

Conto esta história toda para dar sentido ao final da minha. No fim do show, Ozzy e Zakk Wilde deixaram o palco. Com credenciamento especial, corri de volta ao palco, para obter uma daquelas palhetas que ficam presas aos microfones. Quando pisei no palco, havia poças de sangue pelo palco e, no meio de uma delas, uma palheta boiava.

Não pensei duas vezes, meti a mão e peguei a dita cuja pelas bordas. Arranjei um saquinho plástico desses que recobrem maço de cigarro e joguei ali. Antes de deixar o palco, peguei mais duas palhetas com o roadie que desmontava os microfones. Duas delas foram dadas a um amigo e a um irmão. A outra continua no saquinho, ensanguentada e com uma marca de digital: minha ou dele.

Zakk Wylde - Ozzy Osbourne

Zakk Wylde

Não sei até quando guardarei essas relíquias que tenho. Já pensei em vender no Ebay. Não tenho coragem. Provavelmente, darei a um filho, neto, ou a algum jovem maravilhado e encantado pelo mundo do rock. Até lá, elas serão pontes entre minha memória, minha juventude e os dias mágicos que vivi.
Nação Sepultura

Para que serve um jornal online? Ganhar dinheiro ou prestar serviços?

Essas duas perguntas ganharam importância depois da consolidação da tendência de reduzir a circulação de versões impressas de jornais e a migração do noticiário de atualidade para as versões online. A tendência já é um fato nos Estados Unidos e uma perspectiva cada vez mais concreta na Europa, onde os prognósticos sobre faturamento dos jornais, para o biênio 2012-2013, deixaram de ser sombrios para se tornarem trágicos.

A mudança do formato papel para o digital está sendo orientada por questões basicamente financeiras, de economia e de ajuste no fluxo de caixa. O que está sintomaticamente ausente nas justificativas das empresas jornalísticas são questões ligadas ao noticiário e às transformações que a migração para o online provoca entre os usuários e nas próprias empresas.

Se a opção pelo online for tratada apenas pelo lado da economia, do corte de gastos e de pessoal, as empresas estarão empurrando a crise com a barriga, pois o negócio da notícia pela internet équalitativamente diferente no modelo da informação em papel. Na era do impresso, as opções informativas eram reduzidas e materializadas. No caso da Web, o cardápio noticioso é quase ilimitado e imaterial. Ambos os fatores influem no custo e consequentemente no faturamento.

O cálculo do custo-benefício da notícia impressa é facilmente quantificável, o que não acontece na plataforma digital, onde ninguém, até agora, conseguiu descobrir uma fórmula segura para ganhar dinheiro. Para pesquisadores, como o norte-americano Yochai Benkler, da Universidade Harvard, tudo leva a crer que a noticia online jamais será um bom negócio porque se trata de um produto extremamente barato por causa da grande oferta.

Logo, o diferencial entre os provedores de informação jornalística vai se dar inevitavelmente pelaprestação de serviços ao público. A notícia deixa de ser uma commodity comercializável para se tornar um bem público, o que significa uma volta às origens do jornalismo, quando ele ainda não era uma indústria movida a lucro.

Além dessa, há outra mudança provocada pela migração para a notícia de atualidade na internet. Os jornais estão associados à função de fiscalizador dos governos e empresas privadas na cultura informativa tradicional. Recentemente editores de jornais como o The New York Times questionaram se a redução dos dias de circulação dos jornais não acabaria com o hábito de os leitores seguirem diariamente a evolução de uma investigação.

David Carr, do Times, acha que a quebra da sequência de dias fará com que os leitores percam o hábito do acompanhamento diário e, uma vez levados para o online, não voltarão mais ao impresso. Por isso o editor de mídia do jornal acredita que a redução da presença e relevância do jornal impresso na cultura informativa contemporânea tende a “minimizar a função de watchdog (cão de guarda) exercida pela imprensa tradicional”.

Mas Roy Greenslade, crítico de mídia do jornal inglês The Guardian, discorda e afirma que a função de patrulhamento de governantes e empresários pode ser executada pelos sites de noticias na Web sem nenhum prejuízo. “A relutância em renunciar ao impresso (...) está baseada na concepção de quevivemos num mundo ancorado no papel. Se o futuro está no digital, então o jornalismo online pela Web faz todo o sentido”, diz Greenslade.

A polêmica é uma consequência direta da mudança de hábitos e de valores imposta pelo avanço da tecnologia digital e da comunicação multidirecional em rede. Não há motivos técnicos para que os jornalistas não continuem exercendo a sua função de watchdog usando a plataforma digital. Esta função pode ser ainda mais eficiente porque a internet viabiliza a colaboração do público no recebimento de denúncias e na checagem de informações.

A questão tem desdobramentos culturais, na mudança de hábitos e valores, bem como consequências econômicas, já que o negócio da produção de noticias inevitavelmente será afetado.

É importante que os jornalistas tomem consciência desse processo porque eles são protagonistas-chave nessa transformação. Até agora os profissionais eram basicamente empregados na indústria dos jornais. Esta situação tende a mudar cada vez mais rápido porque a redução dos dias de circulação de jornais impressos, ou até mesmo a suspensão da versão em papel, vai provocar desemprego e os profissionais terão que buscar novas funções no ambiente cibernético.

O leitor também começa a enfrentar as consequências das mudanças porque sua cultura informativa está sendo alterada num ritmo cada vez mais intenso. A adaptação mecânica e operacional está sendo surpreendentemente rápida até mesmo nas gerações mais velhas e, teoricamente, mais resistentes à mudança. Mas a questão cultural permanece num limbo porque as pessoas ainda não têm ideia do vulto das transformações em curso.

Se os jornalistas valorizam a sua profissão e seu papel na sociedade, eles terão que assumir também opapel de orientar o público leitor no ingresso na era digital e todo o conjunto de valores associados a ela. Este é um serviço de utilidade pública e apenas secundariamente, um bom negócio.

Publicado por Carlos Castilho, no site Observatório da Imprensa