terça-feira, julho 03, 2012

O fim do “furo” e do “fechamento”

A cultura do “fechamento” está com os dias contados no jornalismo. A rotina já acabou porque as novas tecnologias já impuseram o ciclo 24 horas sete dias da semana na produção de notícias. Mas um hábito entranhado há décadas morre mais lentamente. Esta é a razão para problemas como o ocorrido esta semana nos Estados Unidos, a propósito de uma decisão judicial sobre um tema complexo.

O veredito da Suprema Corte provocou interpretações divergentes entre jornais, redes de TV, sites de notícias e noticiários radiofônicos. Mas a polêmica que interessa é a que se estabeleceu entre os jornalistas sobre qual a forma correta de lidar com uma situação como esta. Pela primeira vez em muitos anos, em vez de recriminações mútuas os profissionais trataram de achar a solução.

O caso da decisão judicial americana mostra como a pressa em ser o primeiro entra em conflito com a necessidade de informar corretamente. A conclusão geral foi de que a pressa deve ser sacrificada, o que significa uma virtual sentença de morte para a cultura do “furo” jornalístico. Mas a preocupação em ser o primeiro não é a única vítima nessa mudança de hábitos, rotinas e valores nas redações e fora delas.

A necessidade de imprimir notícias levou os jornais a parar a produção de informações num momento determinado, que ficou conhecido como hora do fechamento, ou deadline. É a hora fatal para o profissional, pois ela determina se ele foi o não bem sucedido na sua missão de obter tudo aquilo que o leitor precisa saber.

As novas tecnologias de comunicação e informação (TICs) acabaram também com essa tradição jornalística ao permitir que as notícias possam ser publicadas na web sem hora de fechamento. Isso não significou apenas o fim de uma rotina, mas também uma mudança no conceito de notícia. Ela deixou de ser algo com prazo de validade para se transformar num processo, já que a internet permite atualizações e reformulações a qualquer momento.

Isso muda bastante a rotina das redações, mas também a dos leitores. Para os jornalistas, a mudança afeta a forma como tratam a informação, especialmente as mais complexas e especializadas. Em vez da obsessão com o furo e com o fechamento, os profissionais passam a se preocupar com o processo de produção da informação.

Em vez de entregar um pacote informativo fechado em prazos determinados, os jornalistas passam a produzir uma sucessão de detalhes, novos enfoques, percepções e contextos de forma cumulativa, num processo que pode implicar em correções e recuos. O erro, quando reconhecido e corrigido, deixa de ser um pecado mortal para ser um acidente normal de percurso investigativo.

No lado do leitor, ele terá que, gradualmente, passar a encarar a notícia como um processo de descoberta da realidade e formação de conhecimento individual. Isso fará com que ele tenha que substituir a postura passiva atual por outra proativa, já que ele não receberá mais um produto acabado, mas algo em permanente construção.

Essas mudanças estão sendo estimuladas pela avalancha informativa deflagrada pela internet e pela web, responsáveis diretas pela maior percepção da complexidade das informações transmitidas aos leitores. A complexidade sempre existiu, mas nós não tínhamos condições de percebê-la porque os dados disponíveis era poucos. Como hoje o número de versões e percepções cresceu exponencialmente, os leitores passaram a ter um trabalho extra de selecionar e interpretar noticias, em vez de digeri-las sem reflexão.

Por Carlos Castilho em 30/06/2012 no site Observatório da Imprensa

sábado, junho 09, 2012

Pontes para dias mágicos

Muita gente coleciona de tudo. Latas de cerveja, maço de cigarro, selo. Tudo é possível de ser colecionado. Eu também gosto de colecionar: palhetas. Sabe aquele pedacinho de plástico usado pelos músicos para tocar guitarra, baixo? Pois é, eu coleciono.

Quem não é do ramo, pode achar que elas são todas iguais. Não, não são. Os formatos são distintos, as grossuras, os modelos, os materiais. Tudo pode variar em uma palheta.

Minha decisão de colecionar palheta não foi paixão. Aliás, não sei se posso chamar meu conjunto de palhetas de coleção. Assim seria se eu tivesse aos milhares e de diversos formatos. Não, não as tenho. Tenho algumas poucas, mas todas especiais.

Minha "coleção" pode ser chamada de lembranças. Sim, é isso. Elas começaram assim e continuam sendo lembranças. Todas as que tenho me remetem a uma data. Normalmente a um show. Normalmente de rock e pesado.
Palheta Sepultura
Dessas lembranças, impossível esquecer a primeira. Acredito que todo colecionador deve se lembrar daquele item que deu gênese à coleção. Comigo não é diferente. Em 199.... e poucos, fui ao show do Sepultura no Olympia, em São Paulo. Não tive dificuldade em chegar à frente do palco. Nunca tenho. Guitarra vai, barulho vem, pedi a palheta para o ex-vocalista Max Cavalera. Ele me olhou no olho e com a cabeça fez que sim. No meio da porradaria, pode parecer papo de louco, mas só compreende a possibilidade disso, quem está ali na frente do palco. O show rolou. A uma certa hora, ele veio com a mão trazendo a palheta. A mão fechada. A galera tentando pegar. Colocou na minha mão. Quando percebeu que não tinha chance de pegarem, ele soltou.
Palheta do Max -  A primeira
Ali começava meu álbum de lembranças e minha decisão de ir à frente dos shows para conseguir aqueles objetos que ajudam a dar som e velocidade à música e contribuem à minha memória não declarativa.

Em outro show também do Sepultura ganhei palheta do Andreas. A palheta vem escrito Enéas, ao invés de Andreas.

Palheta do Andreas - Sepultura

Em 1993, no show do Metallica, ou melhor, logo após o show, quando ainda estava no gramado do Parque Antártica, logo em frente ao palco, achei caída uma das palhetas que o Jason Newsted tinha jogado.
Metallica

Dessa mesma forma, consegui a palheta do Marty Friedman, do Megadeth em outro show.

Megadeth
Bom, mas nem só com histórias simples é possível obter uma palheta. A com a história mais maluca que consegui foi a do guitarrista Zakk Wylde, quando ele tocou com o Ozzy Osbourne, aqui no Brasil, em 2008. Nesse show, graças a um amigo, fiquei no palco. Assisti todos ali do lado esquerdo do palco: Black Label Society, Korn... Mas antes do Ozzy entrar, todos tiveram que sair e fomos levados para a frente do palco, junto com os policiais e bombeiros.

Não sei ao certo, mas nesse show Zakk estava com um dedo sangrando. Pelo que já li, ele se cortou em um show ocorrido dias antes no Rio de Janeiro, ao pular na plateia e brigar com um fã que puxou a guitarra dele e não queria devolvê-la.

Conto esta história toda para dar sentido ao final da minha. No fim do show, Ozzy e Zakk Wilde deixaram o palco. Com credenciamento especial, corri de volta ao palco, para obter uma daquelas palhetas que ficam presas aos microfones. Quando pisei no palco, havia poças de sangue pelo palco e, no meio de uma delas, uma palheta boiava.

Não pensei duas vezes, meti a mão e peguei a dita cuja pelas bordas. Arranjei um saquinho plástico desses que recobrem maço de cigarro e joguei ali. Antes de deixar o palco, peguei mais duas palhetas com o roadie que desmontava os microfones. Duas delas foram dadas a um amigo e a um irmão. A outra continua no saquinho, ensanguentada e com uma marca de digital: minha ou dele.

Zakk Wylde - Ozzy Osbourne

Zakk Wylde

Não sei até quando guardarei essas relíquias que tenho. Já pensei em vender no Ebay. Não tenho coragem. Provavelmente, darei a um filho, neto, ou a algum jovem maravilhado e encantado pelo mundo do rock. Até lá, elas serão pontes entre minha memória, minha juventude e os dias mágicos que vivi.
Nação Sepultura

Para que serve um jornal online? Ganhar dinheiro ou prestar serviços?

Essas duas perguntas ganharam importância depois da consolidação da tendência de reduzir a circulação de versões impressas de jornais e a migração do noticiário de atualidade para as versões online. A tendência já é um fato nos Estados Unidos e uma perspectiva cada vez mais concreta na Europa, onde os prognósticos sobre faturamento dos jornais, para o biênio 2012-2013, deixaram de ser sombrios para se tornarem trágicos.

A mudança do formato papel para o digital está sendo orientada por questões basicamente financeiras, de economia e de ajuste no fluxo de caixa. O que está sintomaticamente ausente nas justificativas das empresas jornalísticas são questões ligadas ao noticiário e às transformações que a migração para o online provoca entre os usuários e nas próprias empresas.

Se a opção pelo online for tratada apenas pelo lado da economia, do corte de gastos e de pessoal, as empresas estarão empurrando a crise com a barriga, pois o negócio da notícia pela internet équalitativamente diferente no modelo da informação em papel. Na era do impresso, as opções informativas eram reduzidas e materializadas. No caso da Web, o cardápio noticioso é quase ilimitado e imaterial. Ambos os fatores influem no custo e consequentemente no faturamento.

O cálculo do custo-benefício da notícia impressa é facilmente quantificável, o que não acontece na plataforma digital, onde ninguém, até agora, conseguiu descobrir uma fórmula segura para ganhar dinheiro. Para pesquisadores, como o norte-americano Yochai Benkler, da Universidade Harvard, tudo leva a crer que a noticia online jamais será um bom negócio porque se trata de um produto extremamente barato por causa da grande oferta.

Logo, o diferencial entre os provedores de informação jornalística vai se dar inevitavelmente pelaprestação de serviços ao público. A notícia deixa de ser uma commodity comercializável para se tornar um bem público, o que significa uma volta às origens do jornalismo, quando ele ainda não era uma indústria movida a lucro.

Além dessa, há outra mudança provocada pela migração para a notícia de atualidade na internet. Os jornais estão associados à função de fiscalizador dos governos e empresas privadas na cultura informativa tradicional. Recentemente editores de jornais como o The New York Times questionaram se a redução dos dias de circulação dos jornais não acabaria com o hábito de os leitores seguirem diariamente a evolução de uma investigação.

David Carr, do Times, acha que a quebra da sequência de dias fará com que os leitores percam o hábito do acompanhamento diário e, uma vez levados para o online, não voltarão mais ao impresso. Por isso o editor de mídia do jornal acredita que a redução da presença e relevância do jornal impresso na cultura informativa contemporânea tende a “minimizar a função de watchdog (cão de guarda) exercida pela imprensa tradicional”.

Mas Roy Greenslade, crítico de mídia do jornal inglês The Guardian, discorda e afirma que a função de patrulhamento de governantes e empresários pode ser executada pelos sites de noticias na Web sem nenhum prejuízo. “A relutância em renunciar ao impresso (...) está baseada na concepção de quevivemos num mundo ancorado no papel. Se o futuro está no digital, então o jornalismo online pela Web faz todo o sentido”, diz Greenslade.

A polêmica é uma consequência direta da mudança de hábitos e de valores imposta pelo avanço da tecnologia digital e da comunicação multidirecional em rede. Não há motivos técnicos para que os jornalistas não continuem exercendo a sua função de watchdog usando a plataforma digital. Esta função pode ser ainda mais eficiente porque a internet viabiliza a colaboração do público no recebimento de denúncias e na checagem de informações.

A questão tem desdobramentos culturais, na mudança de hábitos e valores, bem como consequências econômicas, já que o negócio da produção de noticias inevitavelmente será afetado.

É importante que os jornalistas tomem consciência desse processo porque eles são protagonistas-chave nessa transformação. Até agora os profissionais eram basicamente empregados na indústria dos jornais. Esta situação tende a mudar cada vez mais rápido porque a redução dos dias de circulação de jornais impressos, ou até mesmo a suspensão da versão em papel, vai provocar desemprego e os profissionais terão que buscar novas funções no ambiente cibernético.

O leitor também começa a enfrentar as consequências das mudanças porque sua cultura informativa está sendo alterada num ritmo cada vez mais intenso. A adaptação mecânica e operacional está sendo surpreendentemente rápida até mesmo nas gerações mais velhas e, teoricamente, mais resistentes à mudança. Mas a questão cultural permanece num limbo porque as pessoas ainda não têm ideia do vulto das transformações em curso.

Se os jornalistas valorizam a sua profissão e seu papel na sociedade, eles terão que assumir também opapel de orientar o público leitor no ingresso na era digital e todo o conjunto de valores associados a ela. Este é um serviço de utilidade pública e apenas secundariamente, um bom negócio.

Publicado por Carlos Castilho, no site Observatório da Imprensa

quarta-feira, maio 23, 2012

Repórter que debocha de acusado de estupro repercute na web

Um vídeo pubicado no YouTube no último dia 10 de maio no qual a repórter Mirella Cunha da rede Bandeirantes da Bahia debocha de um jovem acusado de estupro vem causando reações de repúdio entre internautas.

Na entrevista, que foi ao ar no programa Brasil Urgente, a repórter questiona o jovem em uma delegacia. Ele nega ter cometido o estupro. Chega a chorar e se diz disposto a fazer um exame de próstata para provar sua inocência. "Pode fazer exame de strópa nela e ni mim (sic)", diz na gravação. A repórter pede oito vezes pra ele repetir o nome do exame. Em todas o acusado se atrapalha para falar a palavra próstata. "Você gosta? Já fez?", pergunta ela rindo. "Não fiz não, tá doido", responde ele.

O vídeo, que tinha quase 400 mil visualizações até o final da tarde desta terça-feira, mobilizou grupos na internet repudiando o comportamento da repórter. Um perfil criado no Facebook chamado "Fora Mirella Cunha" já apresentava quase mil adesões.

A rede Bandeirantes, por meio de sua assessoria de imprensa, divulgou uma nota a respeito do caso. "A Band vai tomar todas as medidas disciplinares necessárias. A postura da repórter fere o código de ética do jornalismo da emissora".

De acordo com a presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia e vice-presidente da região Nordeste da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a postura da repórter é uma constante em programas como o Brasil Urgente.

"A gente briga há muito tempo contra esses programas sensacionalistas. Já foi feito um termo de conduta no Ministério Público contra a exposição das pessoas que são presas, principalmente as pessoas negras e pobres", afirmou Marjorie Moura. A dirigente destacou que as entidades devem emitir uma nota de repúdio à profissional.

Até as 19h10min, a Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia não soube informar a delegacia onde se deu a entrevista. Sobre os procedimentos que regulamentam a atividade jornalística nesses locais, cabe aos delegados a decisão de conceder autorização para que os acusados deixem suas celas para serem entrevistados pela imprensa.
Retirado do Portal Terra

quinta-feira, abril 12, 2012

Cortes no orçamento de ciência ameaçam futuro do Brasil

Retirado do site da Academia Brasileira de Ciências
4/04/2012

Os cortes propostos pelo governo federal ao orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) podem colocar a perder muitos dos significativos avanços obtidos nos últimos anos e vão na contramão de outras medidas adotadas pela própria União em tempos recentes, como a expansão da infraestrutura de ensino público universitário e a busca pela internacionalização da ciência brasileira.

Esse é o diagnóstico quase unânime dos cientistas ao tratar da redução em cerca de 22% na verba federal destinada ao sistema de C,T&I brasileiro para 2012. É o segundo ano consecutivo em que há contingenciamento de recursos destinados ao MCTI. Somados, os dois cortes fizeram o valor disponível ao Ministério cair de R$ 7,8 bilhões, em 2010, para R$ 5,2 bilhões, neste ano. Mesmo sem levar em conta a inflação no período (que tornaria a situação ainda mais alarmante), o orçamento foi reduzido a dois terços do valor do último ano do governo Lula.

quinta-feira, março 29, 2012

Empresas digitais deflagram ofensiva financeira sobre a imprensa

Por Carlos Castilho no Observatório da Imprensa

A edição 2012 do informe sobre o estado da imprensa norte-americana aponta uma tendência que podemudar a cara das indústrias da comunicação tanto lá como no resto do mundo, inclusive no Brasil. Trata-se do crescente interesse das principais empresas da internet nos conglomerados jornalísticos que controlam os mais importantes jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão do planeta.

Amazon, Google, Facebook, Yahoo! e Apple emitiram recentemente claros sinais de que podem se aproveitar das dificuldades da imprensa convencional em enfrentar a aguda queda de receitas publicitárias para fazer “ofertas irrecusáveis” de parcerias em que a cereja do bolo é o valiosíssimo arquivo de notícias publicadas ao longo de mais de um século -- e a não menos cobiçada relação entre jornais e revistas com um público fidelizado há décadas.

domingo, março 25, 2012

Preços diferenciados no transporte

O prefeito de Sorocaba, Vitor Lippi, andou por vários países e tem trazido algumas ideias para aplicar à realidade sorocabana. O Via Viva foi uma delas, copiada de um programa na Colômbia (se não me falha a memória). Mas alguns gargalos ainda precisam ser solucionados na cidade.

Quem acompanha os problemas sorocabanos por meio dos noticiários pode ver que um deles é a superlotação dos ônibus nas horas de pico. Vira e mexe sai matéria da população reclamando da falta de coletivos durante esses períodos do dia. Dia desses andei de ônibus em três linhas (bastante "populares", digamos assim) em horário "normal" e o número de passageiros era tranquilo, com vários bancos a serem ocupados.

Não sou expert no assunto e nem tenho dados para fundamentar essa ou aquela mudança no sistema de transporte. Mas recentemente vi um sistema que me chamou bastante a atenção e vejo como uma política pública "palatável" para ajudar na resolução de problemas de ônibus lotados aqui em Sorocaba.

Em casos de superlotação, imagino que a medida mais provável seria aumentar o números de ônibus nos horários de movimento. Mas, com isso, as ruas ficariam ainda mais cheias e o trânsito ainda mais caótico, certo? O pulo do gato é como driblar isso.

Em Santiago, no Chile, o Metrô tem tarifas diferenciadas, conforme o horário de utilização. (Veja detalhes aqui - http://www.metrosantiago.cl/guia-viajero/tarifas ) No horário de rush, a tarifa cobrada é a cheia, a mais cara. Nos horários de menor movimentação, os preços caem. Isso acaba sendo um incentivo para que pessoas sem pressa e estudantes (normalmente, com a grana contada) utilizem o sistema público em horários diferenciados para poupar. Com o sistema de cartões inteligentes usado no transporte de Sorocaba, imagino que essa questão técnica de cobrança diferenciada não seria um grande entrave a ser resolvido.

A ideia é não tornar mais caro dos preços atuais. Pelo contrário, é deixar mais barato nos horários "alternativos". É uma forma de tentar desafogar os horários mais complicados de superlotação. Dessa forma, os trabalhadores também poderiam negociar com seus patrões de chegar uma hora mais cedo e ir embora também mais cedo para evitar ônibus cheio e conseguir poupar no final do mês. Que mal há nisso?

Sorocaba já tem que começar a pensar nesse tipo de política pública e incentivo à circulação alternativa. A cidade agradece.

sábado, março 24, 2012

Thor e a Justiça

O filho do Eike Batista, Thor Batista, atropelou um rapaz nas estradas do litoral do Rio de Janeiro. Ponto. O fato é este. O resto deve ser julgado pela polícia e pela Justiça. O que a mídia e as pessoas nas redes sociais estão fazendo é julgamento antecipado e sem provas.

A sociedade tem de parar com esses pré julgamentos. Não é porque o Thor é filho de bilionário que ele é culpado. De outro lado, a pobreza também não torna o rapaz que morreu em inocente. Não são coisas que estão diretamente ligadas. Mas infelizmente esse tipo de pensamento tomou conta do Brasil. Nessa lógica insana não existe rico bom e nem pobre ruim. Vamos deixar disso. Essa hipocrisia e pensamento torpe não levam a nada.

O foco deve ser a Justiça, independente se é rico ou pobre.

É possível que o Thor estivesse a zilhões de quilômetros por hora e tenha atropelado o cara no acostamento? É possível. Mas também é possível que ele estivesse na mão correta de circulação e o cara tenha atravessado a pista.
São duas possibilidades. As provas com verossimilhança é que mostrarão quem estava certo e quem estava errado. A existência de possibilidades no acidente coloca em xeque esse pré julgamentos. A polícia é que irá - com base em dados técnicos do IML, marcas no carro, testemunhas etc - definir o que realmente aconteceu.

Se o Thor for culpado, que seja condenado pela Justiça como outro qualquer. Mas se for inocente, que seja absolvido. O que não dá é esse pré julgamento e que a imprensa entre nessa pilha absurda.

"Ah, mas o Eike Batista tem muito dinheiro e vai comprar a polícia, a Justiça e quem mais aparecer na frente." Quem pensa desse jeito tem de provar. Se não tem provas para isso, que fique quieto, pois a Constituição brasileira diz que todos somos iguais perante a lei (ricos e pobres) e todos são inocentes até provem o contrário. Aceitar a Lei é viver em sociedade. Quem não aceita a lei que temos ou se muda do país ou faz lobby para mudar a Constituição.

Percebam que não estou inocentando o rapaz, mas também não aceito esse pré-julgamento. Que a Justiça seja feita. Vamos deixar a polícia apurar e a Justiça julgar. O resto é achismo barato que não leva a nada.

segunda-feira, fevereiro 27, 2012

Uma jornalista, uma heroína

do Blog do André Forastieri

Marie Colvin era nova-iorquina, formada bióloga marinha, ex-repórter policial, duas vezes divorciada, jornalista há três décadas e chegada numa vodca.

Morreu ontem, aos 56 anos, bombardeada pelo governo da Síria, quando se arriscava novamente para dar testemunho de mais uma guerra de um governo contra seu povo.

Marie era a única correspondente internacional que se manteve em Homs, sitiada pela ditadura de Assad há 19 dias.

A casa onde estava, com o fotógrafo francês Remi Ochlik, foi bombardeada. Eles tentaram escapar. Foram abatidos por uma bazuca.

Era, para usar um chavão pouco jornalístico, uma lenda viva, a mais famosa correspondente de guerra de nossos tempos. Outros escreveram melhor.

Mas Marie era personagem sem igual, língua afiada, valente que ela só. Via e refletia a guerra do ponto de vista dos civis, dos inocentes, e não do hardware, dos políticos, do pseudo-heroísmo militar.

Só se enfiava em roubada - Chechênia, Líbia, Zimbábue, Kosovo, Iraque, Egito e o diabo. Custou-lhe uma visão no Sri Lanka em 2001 - e quer medalha mais perfeita para uma correspondente de guerra que um tapa-olho?

Ganhou todos os prêmios, mas serviu muito além do dever de um correspondente de guerra.

Arriscou-se para salvar inocentes - pelo menos uma vez, com heroísmo, quando ficou ao lado de uma força da ONU desarmada, e mais 1500 mulheres e crianças, cercados de soldados indonésios por todos os lados.

Vinte e dois jornalistas foram embora. Ela ficou e continuou mandando reportagens para o Sunday Times.

A opinião pública internacional gritou. Depois de quatro dias, foram todos evacuados. Sua morte enterra qualquer possibilidade de justificativa de manutenção da ditadura de Assad.

Como sua vida, não foi em vão.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

USP é universidade que mais forma doutores no mundo

Por Elton Alisson (Agência Fapesp)

Agência FAPESP – A Universidade de São Paulo (USP) é a universidade que mais forma doutores mundialmente. A constatação é do Ranking Acadêmico de Universidades do Mundo (ARWU, na sigla em inglês) por indicadores, elaborado pelo Centro de Universidades de Classe Mundial (CWCU) e pelo Instituto de Educação Superior da Universidade Jiao Tong, em Xangai, na China, que aponta a universidade paulista como a primeira colocada em número de doutorados defendidos entre 682 instituições globais.

O ranking também indica a USP como a terceira colocada em verba anual para pesquisa, entre 637 universidades, além de a quinta em número de artigos científicos publicados, entre 1.181 instituições em todo o mundo, e a 21ª em porcentagem de professores com doutorado em um universo de 286 universidades.

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

A imprensa também é uma corregedoria

Por Alberto Dines em Observatório da Imprensa

A sociedade respirou aliviada, a imprensa exultou: a decisão foi suada, sofrida, apertada (6 a 5), mas o colegiado do Supremo Tribunal Federal manteve o poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para investigar e punir magistrados sem depender das corregedorias dos tribunais locais.

O Estado de Direito recuperou todas as suas prerrogativas, sobretudo aquelas que dizem respeito à isonomia e à transparência. Todos os cidadãos voltam a gozar de idêntica proteção e obrigações. Em matéria de privilégios institucionais apenas os legisladores mantêm o direito de ser julgados pelos pares, cláusula fundamental da estrutura republicana.

Foi uma vitória da corregedora nacional de Justiça, a ministra Eliana Calmon, que enfrentou com galhardia e serenidade o corporativismo enfurecido das associações de magistrados apoiadas ostensivamente por alguns ministros da Suprema Corte.

Bom começo

Foi também uma vitória da mídia, em especial da impressa, sobretudo dos jornais que se empenharam com rara determinação. Fica definitivamente ultrapassado o capítulo da emasculação do nosso jornalismo pela prepotência togada. A bandeira da transparência foi finalmente hasteada pelos principais veículos do país e, com isso, tornou-se público o seu compromisso com o combate à impunidade.

O Conselho Nacional de Justiça é um contrapoder. Tal como a imprensa, é parte essencial do sistema de freios e contrapesos (checks & balances) que garante o funcionamento da democracia.

A complexidade da cobertura do Judiciário exige conhecimento especializado; mais do que isso, exige persistência, teimosia. A própria decisão do STF ainda pode ser reformada caso outra ação ou outra liminar tente contorná-la. A criatividade nessa matéria é ilimitada. Sobretudo numa estrutura cartorial como a nossa.

Por outro lado, o cidadão brasileiro começa aos poucos a se familiarizar com alguns aspectos do cipoal jurídico-forense. Quer mais, quer entender o que está por trás do dialeto bacharelesco que a mídia despeja em cima dele.

O ano começou bem em matéria de visibilidade, translucidez, participação, cidadania. Poderá terminar ainda melhor se a imprensa capacitar-se da sua função corregedora, saneadora e assumir-se como instituição autônoma, permanente. O smartphone, para isso, é insuficiente.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

BBB: o lado B da TV, o lado real da vida

Retirado do blog do André Forastieri

"Mulheres, peitos de fora, bacon, queijo, cerveja e sexo anal. Quer combinação mais explosiva?" É a chamada para um dos vídeos do site pornô-alternativo X-Plastic, onde trabalha a "arte-educadora" Mayara, lésbica, recém-escalada para a nova edição do Big Brother Brasil.
João, representante comercial, diz que gosta de homem e mulher.

A paquidérmica "empresária" Fernanda também é lésbica, e namorada de uma participante de outro reality show. A representante comercial Kelly ganhava a vida dançando seminua no Aviões do Forró. A "estudante de medicina" Laísa concorreu ao troféu de bumbum mais bonito da Playboy. O lutador de muay thai ganha a vida dando porrada. E por aí vai.

Há quem critique o BBB 2012 por não ter negros na escalação, ou por não ser representativo do Brasil. Nunca foi o objetivo do programa. Sua missão é dar dinheiro. Para isso tem que dar assunto. Faz isso melhor que qualquer outro reality show.

Assistir ou não o BBB é como ouvir ou não Michel Teló, ou questionar a eterna popularidade praiana de cerveja e picolé. Assuntar sua validade estética é discutir o sexo dos anjos. O BBB é um vendaval sazonal, como o El Niño. Sopra forte todo verão. Tentar fugir ou ignorar é fútil. Fenômenos existem para serem investigados, se você é mais para chato, ou curtidos acriticamente, como convida o clima de férias.

Por que o BBB repercute tanto? Porque o BBB é o lado B da televisão careta, que tem como maior representante a novela. Nas novelas todo mundo é ou do bem ou do mal, todo mundo é família, 80% são brancos e bonitos, os pobres não sofrem com a falta de grana, todo mundo é hetero e os poucos gays não beijam na boca.

No BBB, como no mundo real, a maioria das pessoas é ambígua e faz qualquer coisa por dinheiro, ou pela fama, que talvez preencha ainda melhor nosso vazio. Freud explica: somente a realização de desejos infantis sacia. Criancinha não entende dinheiro, donde dinheiro não traz felicidade. Mas chamar atenção, ah, isso qualquer nenê nas fraldas sabe muito bem.

No século 21, percepção é capital - mesmo que seja notoriedade. OBBB é O SISTEMA. O resto da TV é faz de conta. Iluminar nossas entranhas é o segredo explícito de seu sucesso. O merengue na torta é que as pessoas reunidas para o BBB não tem a menor condição de ganhar dinheiro usando o cérebro. São criaturas que faturam com apelo sexual.

O espectador não é só voyeur, mas voyeur sádico, porque o clímax é proibido durante meses, nem mesmo embaixo dos edredons, tortura no tórrido Rio de Janeiro.

Os brothers são animais. Vivem de seus corpos e instinto de sobrevivência, submetidos a provas idiotas e tarefas cansativas e inúteis - como você e eu. Diferente de nós, estão todos sob estrita direção. Cada um com seu personagem, que nunca conseguem seguir à risca, porque humanos e com os nervos expostos: o marrento, o caipira, a inocente, a barraqueira, a bicha de língua afiada.

É improvável o eterno reinado do programa, 12 anos já. Abundam similares, e programas como SuperPop compartilham do mesmo, digamos, ideário. Uma hora dessas aparece algo mais hipnotizante, provavelmente direto na web. É facílimo e baratésimo reproduzir BBB, mas é preciso dissecar o monstro para destilar seu veneno.

O BBB compartilha o mérito do Rock in Rio: alargar os horizontes morais-sexuais da família brasileira. O festival botou de Nina Hagen a Slipknot na sala de estar de vovós e criancinhas. Quanta inocente psique foi irremediavelmente estilhaçada por metaleiros satanistas, punks monstros, drogados, andróginos, malditos?

Quanta fé cega na família, no trabalho, na subserviência aos ditames sociais foi destroçada pela moralidade de bordel de BBB, tão dúbia, tão parecida com o mundo aí fora?

O BBB reina porque divide, e dá o que falar porque é real, a realidade espetacularizada - reality show.

sábado, janeiro 07, 2012

Quando todo mundo é especialista


A natureza da expertise é algo incerto. É fascinante observar como e por que as pessoas passam a ser vistas como comentaristas legítimos de determinados temas, quando, por vezes, demonstram ter pouca e rasa compreensão destes mesmos assuntos.

É claro, a tendência é sempre presente em democracias midiáticas onde ter uma opinião é por vezes confundido com estar bem informado. Mas a tendência certamente está em alta nos últimos tempos. Jornais que tentavam checar todos os fatos ao estilo New York Times estão desaparecendo à medida que a Internet assume uma nova hegemonia midiática. Os jornais que sobrevivem parecem se tornar, cada vez mais, depósitos de comentários e notícias.

Os padrões de busca na internet tendem a ser bastante limitados e a confirmar opiniões, mais do que confrontá-las. Todo tipo de celebridade parece ter recebido carta branca para se manifestar sobre o que bem entender, normalmente em tempo real através do Twitter (no Reino Unido, humoristas de stand-up – uma praga moderna se houvesse uma – parecem estar monopolizando o mercado). E por aí vai.

Mais confiança

As universidades dificilmente ficam imunes a esta tendência. Aqueles acadêmicos que alcançam um pouco de fama costumam ficar tentados a se mover para fora de sua área de conhecimento: com que frequência não ouvimos vencedores do Prêmio Nobel repentinamente vestindo o manto da sabedoria de muitas outras coisas além da área pela qual ganharam o prêmio, às vezes com resultados bastante embaraçosos?

Assim, alguns acadêmicos começam a se envolver com a imprensa de forma que suas opiniões passam a ser requisitadas em uma vasta gama de assuntos, alguns deles fora de suas áreas, para ser educado. Finalmente, muitos acadêmicos, em sua busca por impacto na mídia, parecem seguir ativamente casos peculiares, como pode ser visto em algumas áreas da psicologia e da economia.

Parte do motivo para este estado das coisas é claramente a competição. Não ocorre apenas que as universidades foram desafiadas como fontes de conhecimento por algumas das tendências que eu já esbocei, mas também que outras fontes de conhecimento cresceram: como as organizações como consultorias e ONGs, que distribuem conhecimento de forma diferente das universidades mas ainda assim fazem, da mesma maneira, alegações de verdades.

Como o público não é fragmentado em públicos diversos, todos podendo acreditar exatamente naquilo que querem e capazes de encontrar múltiplas maneiras de confirmar suas verdades, então algum tipo de recuo é preciso. E é estimulante ver os sinais começando. Não apenas existe hoje todo tipo de site de verificação de informações, voltados a fornecer dados com a maior precisão possível diante das sombrias alegações feitas por políticos e afins, como as universidades também estão se envolvendo. Por exemplo, o projeto universitário australiano The Conversation tem como objetivo fornecer informações confiáveis baseadas em pesquisas acadêmicas, mas editadas por jornalistas profissionais. Universidades individuais também estão se tornando ativas (veja, por exemplo, o Knowledge Centre da Universidade Warwick).

Em outras palavras, um contra-ataque começou e já não era sem tempo. Nós podemos apenas esperar que este contra-ataque não dê às universidades apenas mais confiança em seu próprio valor em um momento em que enfrentam pressão, mas também alimente novas práticas de uma democracia bem informada.

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[Nigel Thrift é professor e vice-reitor da Universidade de Warwick]

terça-feira, janeiro 03, 2012

A tentação de sentir-se poderoso

Por Ricardo Noblat - Reproduzido do blog de Ricardo Noblat


Poucos escapam dessa armadilha.

Por circularem na companhia de figuras públicas, frequentarem ambientes onde são tomadas decisões e publicarem o que viram ou ouviram falar de importante, jornalistas imaginam que têm poder ou que fazem parte do poder. Têm poder até o momento em que são despedidos. Fazem parte do poder se concordam em servir aos que de fato o detêm.

Os donos de jornal e dos demais meios de comunicação, estes sim, são poderosos. Porque não podem ser despedidos – no máximo, quebram. E porque a mídia é cada vez mais poderosa no mundo. Sem ela, não se governa. Sem ela, não se ganham guerras. Sem ela, não se fazem negócios.

O poder do jornalista é relativo, ocasional e temporário.

Nunca me encantei com o poder. Mas pensei que tivesse adquirido algum quando me tornei titular em 1989 da coluna diária "Coisas da Política", no Jornal do Brasil. Nos dois anos anteriores, havia sido o interino da "Coluna do Castelo", escrita pelo jornalista Carlos Castelo Branco, o Castelinho. O presidente do jornal, Manoel Francisco do Nascimento Brito, me dissera mais de uma vez que um dia eu sucederia Castelinho porque o colunista sofria de câncer e precisava se aposentar para enfrentar a doença. Escrevi a coluna "Coisas da Política" com ampla liberdade, contando tudo que conseguia apurar e dizendo tudo que achava que devia dizer. Aquele foi o ano da sucessão do presidente José Sarney. E do surgimento do fenômeno eleitoral chamado Fernando Collor de Melo.

Um cartão e um doce melão.

Bati forte em Collor porque sabia que ele era uma farsa. Como de resto o sabia a maioria dos jornalistas que cobriam política no eixo Brasília – Rio – São Paulo. A coluna se tornou o espaço mais lido das páginas de política do jornal. Mas nem isto impediu que eu acabasse demitido por telefone cinco dias depois da eleição de Collor. Jamais me disseram porque fui demitido. Como colunista político, tive um funeral de luxo.

Recebi telefonemas de solidariedade do presidente Sarney, de ministros de Estado, do deputado Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, de Lula, do então governador Leonel Brizola e de empresários de peso. Colegas assinaram manifestos em protesto contra minha demissão. Soube que leitores antigos do jornal cancelaram sua assinatura. Brizola me enviou um emissário com o convite para ser candidato do PDT a deputado federal pelo Rio de Janeiro. Agradeci, mas não aceitei. Fui paraninfo de turmas de jornalismo em universidades do Rio e de Brasília.

Uma editora carioca reuniu as colunas que escrevi e publicou-as com o título de O Céu dos Favoritos. O lançamento do livro, no Rio, provocou engarrafamento de trânsito. Autografei cerca de 800 exemplares. Compareceram todos os candidatos ao governo do Rio nas eleições do ano seguinte, escritores conhecidos como Antônio Callado, Millôr Fernandes, Roberto Campos e Barbosa Lima Sobrinho, alguns generais da reserva, muitos estudantes e donas-de-casa, e até a cantora Eliana Pitmann. Passou por lá um tal de Bussunda. Pelo menos foi esse o nome que ele me deu quando autografei seu exemplar do livro. Desconfio até hoje que escrevi errado o nome dele na hora do autógrafo.

Nenhum jornal ou revista me ofereceu emprego depois que fui demitido. Passei os três anos seguintes como funcionário da Propeg, agência de publicidade baiana onde tinha amigos. No Natal de 1990, o único cartão de Boas Festas que recebi tinha a assinatura do deputado federal Osvaldo Coelho, do PFL de Pernambuco. Acompanhou o cartão um doce melão colhido às margens do rio São Francisco, na fronteira de Pernambuco com a Bahia.

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[Ricardo Noblat é jornalista]

Descida no ponor


Muitos me perguntam ou me perguntaram o que eu fui fazer em 1999 na Islândia. Sempre falei sobre o trabalho de medição do degelo no glaciar que fiz com a ONG italiana Akakor Geographical Exploring. Agora consegui converter um vídeo analógico que fiz lá e acredito que mostra uma parte do nosso trabalho diário por aquelas terras geladas.

Eu, Soraya Ayub, Epis Lorenzo e Alessandro Anguileri descíamos nos ponores - que são buracos formados no glaciar (no gelo) - e medíamos as cavernas formadas a partir do degelo. A sensação é de estar dentro do freezer de sua casa. Em uma dessas descidas, eu parafusei uma câmera no meu capacete. O vídeo mostra metade da minha descida. Acredito que este ponor tinha por volta de uns 40 metros. Então, no meio da descida foi feito um fracionamento. E o vídeo mostra justamente a partir do fracionamento, ou seja, eu estou no meio da descida, passando meu equipamento de descida de uma corda para outra (o vídeo fica parado no começo, pois estou trocando o equipo). Depois, me mostra descendo pela parede de gelo, ao lado de uma cachoeira geladíssima.

Algumas coisas que podem ser observadas:
- A beleza do gelo (até hoje me encanto)
- Durante a descida, o tempo lá em cima estava virado e o vento jogava pedaços de gelo pra baixo. Então é possível ouvir vários "tocs" no vídeo. É o gelo atingindo meu capacete e a câmera. Quatro deles atingiram minha mão, cortando-a nesse dia.
- Quando eu chego no fundo, o Alessandro Anguileri fala que precisávamos correr por que a água na caverna tinha subido 30 centímetros rapidamente. Essa caverna estava se enchendo d´água e provavelmente se congelaria em breve. (a dinâmica do glaciar de criar e tampar cavernas é impressionante e muito rápida)

Esse foi um dia marcante em minha vida.