quinta-feira, janeiro 19, 2012

BBB: o lado B da TV, o lado real da vida

Retirado do blog do André Forastieri

"Mulheres, peitos de fora, bacon, queijo, cerveja e sexo anal. Quer combinação mais explosiva?" É a chamada para um dos vídeos do site pornô-alternativo X-Plastic, onde trabalha a "arte-educadora" Mayara, lésbica, recém-escalada para a nova edição do Big Brother Brasil.
João, representante comercial, diz que gosta de homem e mulher.

A paquidérmica "empresária" Fernanda também é lésbica, e namorada de uma participante de outro reality show. A representante comercial Kelly ganhava a vida dançando seminua no Aviões do Forró. A "estudante de medicina" Laísa concorreu ao troféu de bumbum mais bonito da Playboy. O lutador de muay thai ganha a vida dando porrada. E por aí vai.

Há quem critique o BBB 2012 por não ter negros na escalação, ou por não ser representativo do Brasil. Nunca foi o objetivo do programa. Sua missão é dar dinheiro. Para isso tem que dar assunto. Faz isso melhor que qualquer outro reality show.

Assistir ou não o BBB é como ouvir ou não Michel Teló, ou questionar a eterna popularidade praiana de cerveja e picolé. Assuntar sua validade estética é discutir o sexo dos anjos. O BBB é um vendaval sazonal, como o El Niño. Sopra forte todo verão. Tentar fugir ou ignorar é fútil. Fenômenos existem para serem investigados, se você é mais para chato, ou curtidos acriticamente, como convida o clima de férias.

Por que o BBB repercute tanto? Porque o BBB é o lado B da televisão careta, que tem como maior representante a novela. Nas novelas todo mundo é ou do bem ou do mal, todo mundo é família, 80% são brancos e bonitos, os pobres não sofrem com a falta de grana, todo mundo é hetero e os poucos gays não beijam na boca.

No BBB, como no mundo real, a maioria das pessoas é ambígua e faz qualquer coisa por dinheiro, ou pela fama, que talvez preencha ainda melhor nosso vazio. Freud explica: somente a realização de desejos infantis sacia. Criancinha não entende dinheiro, donde dinheiro não traz felicidade. Mas chamar atenção, ah, isso qualquer nenê nas fraldas sabe muito bem.

No século 21, percepção é capital - mesmo que seja notoriedade. OBBB é O SISTEMA. O resto da TV é faz de conta. Iluminar nossas entranhas é o segredo explícito de seu sucesso. O merengue na torta é que as pessoas reunidas para o BBB não tem a menor condição de ganhar dinheiro usando o cérebro. São criaturas que faturam com apelo sexual.

O espectador não é só voyeur, mas voyeur sádico, porque o clímax é proibido durante meses, nem mesmo embaixo dos edredons, tortura no tórrido Rio de Janeiro.

Os brothers são animais. Vivem de seus corpos e instinto de sobrevivência, submetidos a provas idiotas e tarefas cansativas e inúteis - como você e eu. Diferente de nós, estão todos sob estrita direção. Cada um com seu personagem, que nunca conseguem seguir à risca, porque humanos e com os nervos expostos: o marrento, o caipira, a inocente, a barraqueira, a bicha de língua afiada.

É improvável o eterno reinado do programa, 12 anos já. Abundam similares, e programas como SuperPop compartilham do mesmo, digamos, ideário. Uma hora dessas aparece algo mais hipnotizante, provavelmente direto na web. É facílimo e baratésimo reproduzir BBB, mas é preciso dissecar o monstro para destilar seu veneno.

O BBB compartilha o mérito do Rock in Rio: alargar os horizontes morais-sexuais da família brasileira. O festival botou de Nina Hagen a Slipknot na sala de estar de vovós e criancinhas. Quanta inocente psique foi irremediavelmente estilhaçada por metaleiros satanistas, punks monstros, drogados, andróginos, malditos?

Quanta fé cega na família, no trabalho, na subserviência aos ditames sociais foi destroçada pela moralidade de bordel de BBB, tão dúbia, tão parecida com o mundo aí fora?

O BBB reina porque divide, e dá o que falar porque é real, a realidade espetacularizada - reality show.

sábado, janeiro 07, 2012

Quando todo mundo é especialista


A natureza da expertise é algo incerto. É fascinante observar como e por que as pessoas passam a ser vistas como comentaristas legítimos de determinados temas, quando, por vezes, demonstram ter pouca e rasa compreensão destes mesmos assuntos.

É claro, a tendência é sempre presente em democracias midiáticas onde ter uma opinião é por vezes confundido com estar bem informado. Mas a tendência certamente está em alta nos últimos tempos. Jornais que tentavam checar todos os fatos ao estilo New York Times estão desaparecendo à medida que a Internet assume uma nova hegemonia midiática. Os jornais que sobrevivem parecem se tornar, cada vez mais, depósitos de comentários e notícias.

Os padrões de busca na internet tendem a ser bastante limitados e a confirmar opiniões, mais do que confrontá-las. Todo tipo de celebridade parece ter recebido carta branca para se manifestar sobre o que bem entender, normalmente em tempo real através do Twitter (no Reino Unido, humoristas de stand-up – uma praga moderna se houvesse uma – parecem estar monopolizando o mercado). E por aí vai.

Mais confiança

As universidades dificilmente ficam imunes a esta tendência. Aqueles acadêmicos que alcançam um pouco de fama costumam ficar tentados a se mover para fora de sua área de conhecimento: com que frequência não ouvimos vencedores do Prêmio Nobel repentinamente vestindo o manto da sabedoria de muitas outras coisas além da área pela qual ganharam o prêmio, às vezes com resultados bastante embaraçosos?

Assim, alguns acadêmicos começam a se envolver com a imprensa de forma que suas opiniões passam a ser requisitadas em uma vasta gama de assuntos, alguns deles fora de suas áreas, para ser educado. Finalmente, muitos acadêmicos, em sua busca por impacto na mídia, parecem seguir ativamente casos peculiares, como pode ser visto em algumas áreas da psicologia e da economia.

Parte do motivo para este estado das coisas é claramente a competição. Não ocorre apenas que as universidades foram desafiadas como fontes de conhecimento por algumas das tendências que eu já esbocei, mas também que outras fontes de conhecimento cresceram: como as organizações como consultorias e ONGs, que distribuem conhecimento de forma diferente das universidades mas ainda assim fazem, da mesma maneira, alegações de verdades.

Como o público não é fragmentado em públicos diversos, todos podendo acreditar exatamente naquilo que querem e capazes de encontrar múltiplas maneiras de confirmar suas verdades, então algum tipo de recuo é preciso. E é estimulante ver os sinais começando. Não apenas existe hoje todo tipo de site de verificação de informações, voltados a fornecer dados com a maior precisão possível diante das sombrias alegações feitas por políticos e afins, como as universidades também estão se envolvendo. Por exemplo, o projeto universitário australiano The Conversation tem como objetivo fornecer informações confiáveis baseadas em pesquisas acadêmicas, mas editadas por jornalistas profissionais. Universidades individuais também estão se tornando ativas (veja, por exemplo, o Knowledge Centre da Universidade Warwick).

Em outras palavras, um contra-ataque começou e já não era sem tempo. Nós podemos apenas esperar que este contra-ataque não dê às universidades apenas mais confiança em seu próprio valor em um momento em que enfrentam pressão, mas também alimente novas práticas de uma democracia bem informada.

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[Nigel Thrift é professor e vice-reitor da Universidade de Warwick]

terça-feira, janeiro 03, 2012

A tentação de sentir-se poderoso

Por Ricardo Noblat - Reproduzido do blog de Ricardo Noblat


Poucos escapam dessa armadilha.

Por circularem na companhia de figuras públicas, frequentarem ambientes onde são tomadas decisões e publicarem o que viram ou ouviram falar de importante, jornalistas imaginam que têm poder ou que fazem parte do poder. Têm poder até o momento em que são despedidos. Fazem parte do poder se concordam em servir aos que de fato o detêm.

Os donos de jornal e dos demais meios de comunicação, estes sim, são poderosos. Porque não podem ser despedidos – no máximo, quebram. E porque a mídia é cada vez mais poderosa no mundo. Sem ela, não se governa. Sem ela, não se ganham guerras. Sem ela, não se fazem negócios.

O poder do jornalista é relativo, ocasional e temporário.

Nunca me encantei com o poder. Mas pensei que tivesse adquirido algum quando me tornei titular em 1989 da coluna diária "Coisas da Política", no Jornal do Brasil. Nos dois anos anteriores, havia sido o interino da "Coluna do Castelo", escrita pelo jornalista Carlos Castelo Branco, o Castelinho. O presidente do jornal, Manoel Francisco do Nascimento Brito, me dissera mais de uma vez que um dia eu sucederia Castelinho porque o colunista sofria de câncer e precisava se aposentar para enfrentar a doença. Escrevi a coluna "Coisas da Política" com ampla liberdade, contando tudo que conseguia apurar e dizendo tudo que achava que devia dizer. Aquele foi o ano da sucessão do presidente José Sarney. E do surgimento do fenômeno eleitoral chamado Fernando Collor de Melo.

Um cartão e um doce melão.

Bati forte em Collor porque sabia que ele era uma farsa. Como de resto o sabia a maioria dos jornalistas que cobriam política no eixo Brasília – Rio – São Paulo. A coluna se tornou o espaço mais lido das páginas de política do jornal. Mas nem isto impediu que eu acabasse demitido por telefone cinco dias depois da eleição de Collor. Jamais me disseram porque fui demitido. Como colunista político, tive um funeral de luxo.

Recebi telefonemas de solidariedade do presidente Sarney, de ministros de Estado, do deputado Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, de Lula, do então governador Leonel Brizola e de empresários de peso. Colegas assinaram manifestos em protesto contra minha demissão. Soube que leitores antigos do jornal cancelaram sua assinatura. Brizola me enviou um emissário com o convite para ser candidato do PDT a deputado federal pelo Rio de Janeiro. Agradeci, mas não aceitei. Fui paraninfo de turmas de jornalismo em universidades do Rio e de Brasília.

Uma editora carioca reuniu as colunas que escrevi e publicou-as com o título de O Céu dos Favoritos. O lançamento do livro, no Rio, provocou engarrafamento de trânsito. Autografei cerca de 800 exemplares. Compareceram todos os candidatos ao governo do Rio nas eleições do ano seguinte, escritores conhecidos como Antônio Callado, Millôr Fernandes, Roberto Campos e Barbosa Lima Sobrinho, alguns generais da reserva, muitos estudantes e donas-de-casa, e até a cantora Eliana Pitmann. Passou por lá um tal de Bussunda. Pelo menos foi esse o nome que ele me deu quando autografei seu exemplar do livro. Desconfio até hoje que escrevi errado o nome dele na hora do autógrafo.

Nenhum jornal ou revista me ofereceu emprego depois que fui demitido. Passei os três anos seguintes como funcionário da Propeg, agência de publicidade baiana onde tinha amigos. No Natal de 1990, o único cartão de Boas Festas que recebi tinha a assinatura do deputado federal Osvaldo Coelho, do PFL de Pernambuco. Acompanhou o cartão um doce melão colhido às margens do rio São Francisco, na fronteira de Pernambuco com a Bahia.

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[Ricardo Noblat é jornalista]

Descida no ponor


Muitos me perguntam ou me perguntaram o que eu fui fazer em 1999 na Islândia. Sempre falei sobre o trabalho de medição do degelo no glaciar que fiz com a ONG italiana Akakor Geographical Exploring. Agora consegui converter um vídeo analógico que fiz lá e acredito que mostra uma parte do nosso trabalho diário por aquelas terras geladas.

Eu, Soraya Ayub, Epis Lorenzo e Alessandro Anguileri descíamos nos ponores - que são buracos formados no glaciar (no gelo) - e medíamos as cavernas formadas a partir do degelo. A sensação é de estar dentro do freezer de sua casa. Em uma dessas descidas, eu parafusei uma câmera no meu capacete. O vídeo mostra metade da minha descida. Acredito que este ponor tinha por volta de uns 40 metros. Então, no meio da descida foi feito um fracionamento. E o vídeo mostra justamente a partir do fracionamento, ou seja, eu estou no meio da descida, passando meu equipamento de descida de uma corda para outra (o vídeo fica parado no começo, pois estou trocando o equipo). Depois, me mostra descendo pela parede de gelo, ao lado de uma cachoeira geladíssima.

Algumas coisas que podem ser observadas:
- A beleza do gelo (até hoje me encanto)
- Durante a descida, o tempo lá em cima estava virado e o vento jogava pedaços de gelo pra baixo. Então é possível ouvir vários "tocs" no vídeo. É o gelo atingindo meu capacete e a câmera. Quatro deles atingiram minha mão, cortando-a nesse dia.
- Quando eu chego no fundo, o Alessandro Anguileri fala que precisávamos correr por que a água na caverna tinha subido 30 centímetros rapidamente. Essa caverna estava se enchendo d´água e provavelmente se congelaria em breve. (a dinâmica do glaciar de criar e tampar cavernas é impressionante e muito rápida)

Esse foi um dia marcante em minha vida.