segunda-feira, julho 19, 2010

Convencendo no berro

Neste domingo, meu amigo jornalista Pedro Guerra publicou uma pequena nota no Jornal Bom Dia Sorocaba (página 2) contando uma pequena história que aconteceu em Ibiúna em 1998. Foi o dia em que eu consegui uma entrevista de um presidente da República literalmente no grito.

Então repórter do Jornal Cruzeiro do Sul, ia até Ibiúna toda vez que o então presidente Fernando Henrique Cardoso tirava uns dias para ficar em seu sítio naquela cidade. Dividia normalmente essa tarefa com o repórter Fábio Jammal. Eram manhãs e tardes intermináveis e, normalmente, improdutivas jornalisticamente, mas que valiam pelas conversas e o clima de amizade entre repórteres, fotógrafos e cinegrafistas ali de castigo. Pedro compunha o grupo naquela época como repórter da rádio CBN Notícias.

No último dia do feriado de Finados daquele ano, FHC - que pouco aparecia ou falava com a imprensa quando estava por lá - saiu de seu sítio escoltado por carros da segurança presidencial rumo a um campo aberto onde o helicóptero o aguardava. A imprensa o seguia em comboio até uma barreira próxima ao lugar de decolagem da aeronave.

Margeando este campo de pouso, havia uma estrada de terra, onde todos da imprensa estacionavam, desciam um desnível  de terra e, finalmente, se acotovelavam na cerca de arame farpado para obter os últimos acenos ou gestos de FHC entre a saída do carro e a entrada no helicóptero. Coisas que dariam uma nota talvez, mas muito para quem, por vezes, não tinha nada de informação que rendesse notícia. Aquela foto feita às pressas quase sempre estampava a capa do jornal.

Mas naquela época, uma tremenda crise se deu na antiga Febem em São Paulo. E o então governador Mário Covas disse que precisaria debater o assunto com o Governo Federal. Então, quando FHC saiu do carro, não tive dúvidas: respirei fundo e gritei ao máximo: "ô presidente, vem aqui falar com a gente sobre o problema na Febem".

Em décimos de segundo, FHC olhou pra gente, olhou pro helicóptero uns dois passos à frente, olhou de novo pros repórteres e cinegrafistas e veio. Veio em uma marcha rumo ao arame farpado.

Só lembro de ouvir fotógrafos, repórteres e cinegrafistas xingando. Como normalmente FHC não dava entrevistas ali e a distância até o helicóptero era um tanto grande, boa parte dos profissionais da mídia não descia preparado para entrevistas próximas. Fotógrafos só levavam com lentes para grande distância, cinegrafistas das TVs não carregavam os microfones e repórteres não portavam seus gravadores de fita. O primeiro comentário que ouvi foi: "fodeu", seguido de um "porque você foi chamar?" Ou seja, foi uma tremenda correria.

FHC veio e, na minha frente, falou da Febem e de outros assuntos. Quem estava preparado, logicamente, ocupou os melhores lugares grade de arame farpado que nos separava do presidente da República. Pedro Guerra estava lá, ao meu lado com seu gravador adesivado da CBN. Doze anos depois, ele me surpreende com sua memória de elefante para lembrar de datas e épocas e para lembrar dessa que foi uma das minhas façanhas como jornalista: deixar o rigor de lado e conseguir uma entrevista do presidente da República na base do grito.

Um comentário:

  1. Roberto Belisáriojulho 19, 2010 1:45 AM

    Muito bom, Marcel!!!! Isso chama-se "bom repórter". Quem não estava preparado que tenha mais sorte na próxima vez. O fato é que você estava e teve a presença de espírito na hora. Só consegue o furo quem fura os consensos.

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