domingo, maio 02, 2010

Analfabetismo funcional musical


Muito se fala do analfabetismo funcional, aquele em que a pessoa sabe ler, mas não entende o que está lendo. Uma doença em uma sociedade que quer ser um grande país um dia, tendo a inovação como ponto de partida. Mas vejo a cada dia que esse analfabetismo funcional se dá na música também. As pessoas cantam e não param para pensar naquilo que estão reproduzindo. Dia desses estava no carro e começou a tocar Legião Urbana. A música era outra, mas me lembrei de ‘Que País é esse’.

Nela, Renato Russo diz que a sujeira está por todos os cantos, desde a população mais pobre até os mais ricos aqui no Brasil. Penso como Renato Russo. Temos os representantes políticos que merecemos. Mas, ouvindo a música, pensei: será que a canção faria sucesso se o grande público soubesse efetivamente que é ‘acusado’ de fazer parte da “sujeira” nacional?

Em programas de TV, a música “Que País é esse” só é usada como fundo sonoro para as falcatruas quando ocorre no alto poder dos governos. Nunca ouvi tocarem “Que País é esse” para a “sujeira” existente em classes menos privilegiadas. E Renato Russo deixa bem claro que os problemas da sujeira não estão só no alto escalão. “Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado”, diz a letra. E complementa: “Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da Nação”.

Outro caso emblemático ocorre com a música ‘O meu Guri’ de Chico Buarque. A letra conta a história de um menor delinquente, que traz os produtos do roubo para casa. Vira e mexe, com certo orgulho, as pessoas cantam essa música para seus filhos: “Ai o meu guri, olha aí!”. Vindo de Chico Buarque, aquele rapaz de olhos azuis e cara de bom moço, acho que muitos devem pensar que sua música seria incapaz de versar sobre algo ruim. Não pensam no que diz a letra: “Chega suado/ E veloz do batente/ Traz sempre um presente/ Prá me encabular/ Tanta corrente de ouro/ Seu moço!/ Que haja pescoço/ Prá enfiar/ Me trouxe uma bolsa/ Já com tudo dentro/ Chave, caderneta/ Terço e patuá/ Um lenço e uma penca/ De documentos/ Prá finalmente/ Eu me identificar/ Olha aí! Ai o meu guri, olha aí!”

Desavisados também colocam a música em eventos que envolvam crianças. Meses atrás aconteceu o mesmo no lançamento de uma casa de recuperação de menores infratores. Alguns repetiam a estrofe ‘Ai o meu guri’ até alguém interromper a execução.

Que País é esse? Somos um país de guris que lê e canta, mas não entende como se faz a dança.

 

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