sexta-feira, setembro 03, 2010

A Web está morrendo?

Por Elis Monteiro no Fórum PCs

Na verdade, a resposta para a pergunta do título é mais sombria. Pelo menos na opinião do célebre Chris Anderson, em matéria escrita por ele que estampa a capa da Revista “Wired” publicada este mês. A reportagem tem um título sugestivo e assustador: “The Web is dead.” (“A Web está morta”). Ou seja, o processo não está em curso, mas chegou ao seu ápice. Mesmo que o título pareça sensacionalista e a matéria seja um tanto quanto alarmista, ela traz muitos pontos de reflexão e são estes pontos que eu gostaria de debater aqui – por se tratar de um fórum, não há ambiente mais adequado, certo?

Antes de começarmos, no entanto, vamos rever o currículo de Chris Anderson, o que pode abalizar (ou não) sua opinião nas nossas cabeças. Afinal, quem é este homem que está assassinando a www? Pois Chris não é um qualquer, muito menos um futurólogo de carteirinha, um Nostradamus da tecnologia. Editor-chefe da Wired, Anderson é físico e escritor. É de sua autoria, por exemplo, o famoso “The Long Tail” – em português, “A cauda longa” (Campus/Elsevier), publicado em 2006. Anderson também já trabalhou nas revistas “Sciense”, “Nature” e “The Economist” e esteve recentemente no Brasil para uma palestra. Para quem trabalha no ramo da tecnologia, a opinião dele sempre importou, afinal, ninguém edita a Wired durante nove anos (desde 2001) à toa, certo?

Ok! Definimos que a opinião de Chris Anderson importa. Agora, vamos aos fatos: ele avalia, no texto, que a Web já está morta, mas que a internet continua a ser usada – e muito. Mas como assim? Web e Net não são a mesma coisa? Aí está a pegadinha. O público acostumou-se a considerar Web, Net e Rede como sinônimos. E não são, nunca foram e nunca vão ser. A www (World Wide Web, vulgarmente chamada de Web) nasceu há duas décadas e está, diz Anderson, sendo substituída por serviços como Skype, Netflix, redes peer-to-peer e aplicativos como Twitter, Facebook, etc. Mesmo que usem a Net (internet, a plataforma), tais serviços e aplicativos não necessariamente passam pela www. Ou seja, a tendência é que as pessoas abandonem a navegação pelos websites, via browsers, e passem a usar serviços diretos, rápidos, funcionais, que economizem tempo e que não estejam na Web.



Vamos partir para um exemplo prático: a interface Web do Twitter é um horror e não facilita nem um pouco para aqueles que ainda não entendem o que é o serviço – eu sempre disse isso por aqui. Mas o Twitter não é apenas uma página Web em movimento, com constantes atualizações feitas pelos usuários; ele é um serviço que pode (e deve) ser usado da forma mais simples possível, através de aplicativos instalados nos computadores (como o Tweetdeck, dentre muitos outros) ou celulares, com apps como Echofon, Twitter for iPhone, Twitterific e por aí vai. Os aplicativos tornam o Twitter um serviço muito mais atraente, ainda mais quando tiram partido da função push, de atualização automática (um refresh sem a necessidade de se clicar num botão).

Entendida a diferença entre Net e Web, fica mais fácil entender porque a segunda está se esvaindo. Chris cita o dia-a-dia de uma pessoa antenada com a tecnologia: ela acorda e vai checar o e-mail (no iPad, usando um aplicativo); durante o café da manhã, passeia pelo Twitter e pelo Facebook ou lê um jornal como o “The New York Times” (tudo aplicativo, presente no desktop do iPad); no caminho para o escritório, o geek ouve um podcast no smartphone (o do TED, por exemplo, através de um aplicativo criado pelo TED.com); no trabalho, ele recebe atualizações via RSS, usa o Skype ou o MSN para conversar; no final do dia, vai pra casa, faz o jantar (ou encontra pronto) ouvindo músicas via Pandora; relaxa jogando uns games no XboxLive, e assiste a um programa de TV através do Netflix (serviço de streaming, em formato de aplicativo).

O cara gastou o dia todo na internet – mas sequer passou pela Web, em momento algum. A não ser, claro, que seja um clicador compulsivo que recebe atualizações de amigos no Twitter com conteúdo que envolva links e saia clicando. Parece que estamos falando de uma pessoa de outro planeta, vocês tiveram a impressão de que este perfil é muito diferente do nosso? Pois é. Muita gente age exatamente como o personagem citado por Anderson, principalmente usuários de iPhone, que adquirem muito rapidamente o hábito de usar aplicativos e deixarem de lado o browser.

Todo esse movimento de abandono traz outra discussão que devemos ter mais adiante: de um universo aberto (a Web) estamos passando para um fechado (o dos aplicativos, mesmo quando gratuitos). Chris chama este novo mundo de “plataformas semi-fechadas, pois usam a internet como meio de transporte mas não o browser como display.

A quem culpar? Neste caso específico, a ninguém. O movimento vem acontecendo de forma espontânea, porque os usuários não rejeitam a ideia da Web, mas acabam optando por serviços que funcionem mais rapidamente, e que sejam mais eficientes e simples. Ou seja, a Humanidade está ficando preguiçosa, quer ter tudo na mão (literalmente).

Prosseguindo no nosso estudo, vale entender que havia a expectativa de que a Web fosse o ápice da era digital. Melhor dizendo: que ela seria a melhor tradução da revolução digital.Uma década atrás, diz Chris, os web browsers passaram a substituir as aplicações de software dos PC’s, fazendo com que o sistema operacional passasse a ser um mero coadjuvante, um caminho que leva aos verdadeiros aplicativos – que estavam em sites. Mas com a chegada, na ordem, do Java, do Flash, do Ajax e, mais recentemente, do HTML5, os aplicativos ficam na rede (nas nuvens, an?) e o que era desktop virou Webtop. “Aberto, livre e fora de controle”, diz Chris Anderson.

O primeiro sinal de que o browser poderia estar sendo ameaçado foi a revolução do Push – não à toa, em 2007 a mesma Wired publicou uma reportagem sobre o assunto e sugeriu “dê um beijo e tchau tchau ao seu browser”. Pois o push virou o que temos hoje – aplicativos que cativam o usuário e o usurpam dos browsers.
Ora, será que ele está dizendo que os websites vão acabar? Mas quanta audácia! É claro que não, esta é a resposta. Afinal, nem toda empresa vai querer criar um aplicativo e abrir mão do seu site – Chris brinca dizendo que ainda há telegramas (apesar do e-mail) e cartões-postais (apesar do MMS, da videoconferência, dos aplicativos de Flickr, Facebook, etc).

O futuro (que já chegou) prevê um mundo mais “getting” e menos “browsing” (aqui fica muito difícil fazer uma tradução à altura). E a tal Web 2.0, que prometia sites mais inteligentes, designs arrasadores porém simples, interatividade com o visitante, etc? Pois bem: para Chris, a Web 2.0 nada mais é do que a Web 1.0 que funciona. Mas o conceito de push, que aos poucos vai descendo dos early adopters para os novos usuários, traz um universo de aplicativos, APIs e, claro, as benesses da convergência disso tudo no smartphone, que está sempre em mãos.

Mas por que ele fala em morte? Hoje, o conteúdo de websites (ou seja, o que acessamos via browser, arquivos entregues em formato HTML através do protocolo HTTP, na porta 80) representa menos de ¼ do tráfego da internet. Os serviços mais usados são transferência de arquivos via peer-to-peer, e-mail, VPNs corporativas, a conversa máquina-máquina via APIs, ligações feitas via Skype, games online como World of Warcraft, XboxLive, programas de mensagens instantâneas, streaming de vídeo através de serviços como o Netflix e, agora, aplicativos de redes sociais.

Eu mesma fiz o teste para entender como se dá o meu relacionamento com a Web (e com a Net): todos os aplicativos que uso não requerem browser, a não ser o bom e velho Google. Este, sim, é um camarada e tanto – até quando inventarem um aplicativo de buscas simples e rápido, que eu possa usar no meu iPhone (aliás, já deve existir, vou procurar agora mesmo). E tchau tchau Firefox, Internet Explorer, Opera, Mozilla, etc. Não vou sentir saudades.

E vocês, vão? Vamos continuar esse assunto na próxima coluna?

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