Por Lilia Diniz em 28/7/2010
(retirado do Observatório da Imprensa)
O Observatório da Imprensa veiculado pela TV Brasil na terça-feira (27/7) homenageou Hipólito da Costa, autor do primeiro periódico escrito em língua portuguesa livre de censura, o Correio Braziliense, que circulou no Brasil e em Portugal entre 1808 e 1822. Escolhido Herói da Pátria por força de uma lei sancionada pelo vice-presidente (então no exercício da Presidência) José Alencar, em 5/7, Hipólito teve o nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria. Para celebrar a escolha do patrono da imprensa brasileira para o seleto time de heróis, o programa exibiu o documentário Preto no Branco, dirigida pelo cineasta Silvio Tendler.
O documentário entrevistou estudiosos da vida e da obra de Hipólito da Costa: o jornalista Alberto Dines, a historiadora Isabel Lustosa, o professor e escritor Antônio F. Costella e o diplomata Paulo Roberto de Almeida. Dines sublinhou que Hipólito é o pai da imprensa brasileira e da imprensa livre portuguesa. O jornalista destacou que desde meados do século 19 já havia tipografias instaladas na América espanhola, mas a impressão era proibida no Brasil porque a coroa portuguesa e a Inquisição não permitiam. "A tipografia é, de certa forma, uma filha da religião. Mas ela também é órfã. Ela foi tornada órfã pela religião, porque não pôde se expandir como poderia", explicou.
Em 1747, um dos mais importantes impressores de Lisboa decidiu instalar sua oficina no Rio de Janeiro. Pouco depois de publicar a primeira obra, recebeu um comunicado para desmantelar a oficina e retornar a Portugal. "Um dos grandes mistérios da história da tipografia e da imprensa no Brasil é saber o que Antonio Isidoro da Fonseca, aquele que poderia ter sido o pai da tipografia, veio fazer no Rio de Janeiro em 1747, sessenta anos antes de chegar a Corte e começar realmente a vida intelectual e jornalística no Brasil", disse Dines. Embora aprovado pelo bispo local, o livro então publicado não tinha o aval da Inquisição.
Trezentos anos sem impressão
O Brasil permaneceu sem tipografia até 1808, quando a corte portuguesa transferiu-se para o país ao fugir das invasões napoleônicas. Dines explicou que D. João VI, sabendo que teria de governar Portugal e o Brasil a partir do Rio de Janeiro e precisaria de uma ferramenta para divulgar seus atos, trouxe uma oficina tipográfica junto com o aparato de Estado. Antônio Costella ponderou que a introdução da imprensa no Brasil foi uma questão de circunstância. "D. João tinha que ter aqui o que tinha em Portugal para poder governar e manter a corte em funcionamento. Não foi um gesto de generosidade. D. João trouxe a tipografia, mas trouxe junto a censura e disso nunca se fala", afirmou o escritor.
Em maio de 1808, D. João instalou a primeira oficina tipográfica do país, a Impressão Régia. Logo nos primeiros meses foram impressas diversas obras literárias e científicas. Em setembro daquele ano, saía à luz a Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822). De caráter oficial, a folha bi-semanal tinha função estratégica para a consolidação do projeto de poder ao fazer a ponte entre a Coroa e os súditos. Publicava atos da burocracia administrativa do reino, notícias da guerra na Europa e sobre o cotidiano da cidade. O jornal oficial tinha caráter estritamente noticioso e não dava espaço a análises e reflexões.
No mesmo ano, do outro lado do Atlântico, Hipólito da Costa lançou o Correio Braziliense. Nascido na Colônia do Sacramento, então território luso-brasileiro, hoje pertencente ao Uruguai, Hipólito formou-se em Leis e Filosofia na Universidade de Coimbra. Em 1798, recebeu do ministro da Fazenda e presidente do Erário português, o Conde de Linhares, uma missão de prospecção econômica. Foi enviado aos Estados Unidos para levantar os recursos naturais e observar os conhecimentos científicos da recém-emancipada nação, onde permaneceu por dois anos. Hoje, a missão poderia ser considerada um ato de "espionagem".
Hipólito na Filadélfia
Durante a estada, Hipólito da Costa anotou uma série de observações que foram publicadas no livro Diário da minha viagem para a Filadélfia. "Ele faz ali uma etnografia dos Estados Unidos naquele momento privilegiado do final do século 18. Você tem o olhar de um brasileiro sobre aquela sociedade. Eu acho que isso diz muito da personalidade dele", disse Isabel Lustosa. Para Dines, a viagem foi importante porque Hipólito pôde ver materializados conceitos como "progresso" em um território tão extenso como o Brasil.
"Ele fica um pouco chocado com os modos rústicos dos americanos, aquela maneira direta de tratar as pessoas sem o menor formalismo, sem qualquer protocolo ou o cerimonial típico da corte em Lisboa. Ele é apresentado ao presidente dos Estados Unidos, que está sentado em uma poltrona suja, com botas cheias de barro, e que depois vai para uma festa, toma ponche, dança com as senhoras. Os Estados Unidos eram uma democracia em formação. Um país talvez tosco ou rústico para um jovem súdito português, acostumado com as monarquias européias, com o protocolo de uma monarquia", explicou Paulo Roberto de Almeida.
A viagem não marcou apenas a vida pública de Hipólito da Costa. Foi em Filadélfia que ele se filiou à maçonaria. Não havia leis que proibissem a maçonaria em Portugal, mas a igreja católica exercia forte pressão contra a organização por considerá-la herética. De volta a Portugal, o jornalista foi preso. Durante dois anos permaneceu incomunicável, submetido a maus tratos e a intermináveis interrogatórios nos cárceres do Santo Ofício. "Sem dúvida, foi por causa da maçonaria que ele acabou preso. Antes, até imediatamente antes, ele era um sujeito que fazia prestação de serviços para o Estado e era amigo do principal ministro, que era o Dom Rodrigo de Souza Coutinho", lembrou Antônio Costella.
As marcas do cárcere
As memórias desse período foram descritas no livro Narrativa da perseguição de Hypolito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, preso e processado em Lisboa pelo supposto crime de francmaçon, publicado em inglês e em português. "Depois que ele conseguiu escapar de Lisboa e chegar a Londres, a primeira iniciativa de Hipólito da Costa, antes ainda do Correio Braziliense, foi contar o que é a inquisição – porque o público inglês não sabia, não tinha noção. Afinal, era uma monarquia parlamentar", disse Dines. "Trata-se de um documento imenso sobre a defesa da liberdade de imprensa, de credo, do direito a ser maçom, na conversa com o interrogador. É belíssimo", disse Isabel Lustosa. Para a historiadora, Hipólito era um "homem de fibra".
"O Hipólito, como pessoa, talvez tenha se tornado mais amargo, mais desconfiado, com sua estada na prisão. Mas, certamente, conservou todas as suas convicções juvenis e aquelas adquiridas em sua estada americana", avaliou Paulo Roberto de Almeida. Antônio Costella considera a fuga suspeita. "Foi uma escapada meio estranha porque simplesmente esqueceram de fechar a porta e ele foi saindo, abrindo as portas, e foi para a rua. Alguém deve ter ajudado a preparar essa fuga", disse. Em seguida, Hipólito estabeleceu-se na Inglaterra. "Os portugueses não conseguem mais tirá-lo porque ele passa a estar com a proteção da maçonaria inglesa e do Duque de Sussex, que era o chefe dessa maçonaria e de quem ele virou secretário particular", explicou o professor.
Nasce o Correio Braziliense
Hipólito chegou a Londres em 1802. Centro econômico e cultural, a cidade abrigava inúmeros partidários da emancipação das colônias na América. "Ele encontrou em Londres toda a elite sul americana, a vanguarda intelectual e política que estava engajada nas lutas pela emancipação", disse Dines. Na casa do general venezuelano Francisco de Miranda, libertários reuniam-se para traçar estratégias para a independência. "Tornou-se uma espécie de ponto de encontro dos intelectuais exilados, que tinham fugido da América Latina ou estavam exilados em Londres. Ali era a curriola dos libertários. E lá estavam Hipólito da Costa, Bernardo O´Higgins, general San Martín, Bernardino Rivadavia e Simón Bolívar, o homem que realmente materializou a emancipação da América espanhola", disse.
Nesta fase, nasceu a idéia do Correio Braziliense. Para Dines, Hipólito concebeu o jornal como um "emissor de ideias não-censuradas". "Não é um jornal como nós conhecemos hoje. Na realidade, o Correio Braziliense era uma revista. Primeiro, porque saía uma vez por mês e, segundo, o formato era de livro. Ele fazia tudo sozinho, provavelmente um compositor montava os tipos móveis, depois ele revisava", explicou Dines. "O Correio Braziliense tem como subtítulo ‘Armazém Literário’. Armazém, no sentido etimológico original, é uma loja de muitas utilidades, um empório de todos os objetos que você possa necessitar. Não apenas alimentos, mas máquinas, implementos", completou Paulo Roberto.
"O Correio Braziliense era uma imensa redação de um homem só. Imaginemos uma redação hoje com o editor-chefe, o editor-executivo, repórteres, resenhistas, especialistas em Ciência, em Comércio, em Letras. Tudo isso o Hipólito fazia sozinho. Ou seja, ele era uma redação. Ele lia absolutamente de tudo, desde aquelas gazetas oficiais, o Moniteur francês, a gazeta fluminense. Todas as leis ele lia e traduzia para o público leigo. Todos os grandes autores, basicamente da ciência política e da economia política, ele traduziu e adaptou", explicou o diplomata. "Foram 14 anos de livros mensalmente produzidos por um único indivíduo. É uma coisa fantástica", destacou Isabel Lustosa.
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sexta-feira, julho 30, 2010
segunda-feira, julho 26, 2010
The Times perde 2/3 dos leitores com cobrança online
Postado por
Marcel
Por Leticia Nunes (edição e tradução) em 20/7/2010
(retirado do Observatório da Imprensa)
O site do jornal britânico The Times perdeu dois terços de seu público após se tornar pago, no início de julho. Segundo dados da empresa Experian Hitwise, que monitora o tráfego na rede, as visitas ao Times Online teriam caído 66% comparadas ao tráfego antes de os leitores terem que se registrar e pagar pelo acesso.
Para poder ler as notícias no site, os leitores devem desembolsar 1 libra por dia ou 2 libras por semana; assinantes do jornal impresso têm acesso direto. Especulava-se que, com a cobrança, o Times Online perderia 90% de seu tráfego. A queda, no entanto, parece ter sido amortecida por uma "oferta de lançamento" – quem se registrasse nos primeiros dias ganhava acesso ao site por um mês pagando apenas 1 libra – e pela Copa do Mundo, quando aumenta a procura por notícias esportivas.
O site do dominical Sunday Times também passou a ser pago. Segundo a News International, subsidiária da News Corporation e dona dos jornais, os tablóides Sun e News of the World também devem enfrentar o processo. O magnata Rupert Murdoch, dono da companhia, é um dos maiores defensores do conteúdo pago na rede e já anunciou que pretende cobrar pelo acesso de todos os sites da empresa. Com informações da Reuters [18/7/10]
(retirado do Observatório da Imprensa)
O site do jornal britânico The Times perdeu dois terços de seu público após se tornar pago, no início de julho. Segundo dados da empresa Experian Hitwise, que monitora o tráfego na rede, as visitas ao Times Online teriam caído 66% comparadas ao tráfego antes de os leitores terem que se registrar e pagar pelo acesso.
Para poder ler as notícias no site, os leitores devem desembolsar 1 libra por dia ou 2 libras por semana; assinantes do jornal impresso têm acesso direto. Especulava-se que, com a cobrança, o Times Online perderia 90% de seu tráfego. A queda, no entanto, parece ter sido amortecida por uma "oferta de lançamento" – quem se registrasse nos primeiros dias ganhava acesso ao site por um mês pagando apenas 1 libra – e pela Copa do Mundo, quando aumenta a procura por notícias esportivas.
O site do dominical Sunday Times também passou a ser pago. Segundo a News International, subsidiária da News Corporation e dona dos jornais, os tablóides Sun e News of the World também devem enfrentar o processo. O magnata Rupert Murdoch, dono da companhia, é um dos maiores defensores do conteúdo pago na rede e já anunciou que pretende cobrar pelo acesso de todos os sites da empresa. Com informações da Reuters [18/7/10]
sexta-feira, maio 07, 2010
Com Newsweek à venda, uma era se desfaz
Postado por
Marcel
do Blog Jornalismo nas Américas
Durante várias décadas, as revistas Time e Newsweek lutaram para definir a agenda americana de notícias. Mas com o anúncio, esta semana, de que aWashington Post Co. pretende vender a Newsweek, a era das revistas semanais parece estar chegando ao fim, analisa o New York Times. (Leia a matéria em português)
Publicada há 77 anos, a semanal vem enfrentando graves problemas financeiros: teve prejuízos de US$ 28,1 milhões em 2009, com a diminuição da publicidade e da receita com assinantes, diz o NYT. A circulação, de 3,14 milhões no começo do ano 2000, caiu para 1,97 milhão no fim de 2009. Em 2009, a Newsweekcortou funcionários e tentou se salvar publicando mais artigos de opinião e análise.
A imprensa americana apontou que as revistas semanais estão perdendo lugar num ambiente em que os assuntos são fragmentados e a internet torna as notícias ultrapassadas. "Estamos todos numa crise existencial", disse o editor da Newsweek, Jon Meacham. Mas ele disse acreditar que as semanais ainda têm um papel importante a cumprir: "Numa era em que existem tão poucos denominadores comuns em nossa cultura (...), não existem muitos outros lugares onde você tenha a oportunidade de ter uma conversa comum." A Newsweek colocou em seu site a entrevista em que Meacham comenta a situação da revista.
Durante várias décadas, as revistas Time e Newsweek lutaram para definir a agenda americana de notícias. Mas com o anúncio, esta semana, de que aWashington Post Co. pretende vender a Newsweek, a era das revistas semanais parece estar chegando ao fim, analisa o New York Times. (Leia a matéria em português)
Publicada há 77 anos, a semanal vem enfrentando graves problemas financeiros: teve prejuízos de US$ 28,1 milhões em 2009, com a diminuição da publicidade e da receita com assinantes, diz o NYT. A circulação, de 3,14 milhões no começo do ano 2000, caiu para 1,97 milhão no fim de 2009. Em 2009, a Newsweekcortou funcionários e tentou se salvar publicando mais artigos de opinião e análise.
A imprensa americana apontou que as revistas semanais estão perdendo lugar num ambiente em que os assuntos são fragmentados e a internet torna as notícias ultrapassadas. "Estamos todos numa crise existencial", disse o editor da Newsweek, Jon Meacham. Mas ele disse acreditar que as semanais ainda têm um papel importante a cumprir: "Numa era em que existem tão poucos denominadores comuns em nossa cultura (...), não existem muitos outros lugares onde você tenha a oportunidade de ter uma conversa comum." A Newsweek colocou em seu site a entrevista em que Meacham comenta a situação da revista.
quinta-feira, maio 06, 2010
“Nota da ABA sobre matéria da revista ‘Veja
Postado por
Marcel
Publicado no Jornal da Ciência
Frente à publicação de matéria intitulada 'A farra da antropologia oportunista' (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), a diretoria da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em nome de seus associados, clama pelo exercício de jornalismo responsável, exigindo respeito à atuação profissional do quadro de antropólogos disponível no Brasil, formados pelos mais rigorosos cânones científicos e regidos por estritas diretrizes éticas, teóricas, epistemológicas e metodológicas, reconhecidas internacionalmente e avaliadas por pares da mais elevada estatura cientifica, bem como por autoridades de áreas afins.
A ABA reserva-se ao direito de exigir dos editores da revista semanal 'Veja' que publique matéria em desagravo pelo desrespeito generalizado aos profissionais e acadêmicos da área."
"Nota da Comissão de Assuntos Indígenas-CAI/ABA
A reportagem divulgada pelo último número da revista 'Veja', provocativamente intitulada "Farra da Antropologia oportunista", acarretou uma ampla e profunda indignação entre os antropólogos, especialmente aqueles que pesquisam e trabalham com temas relacionados aos povos indígenas. Dados quantitativos inteiramente equivocados e fantasiosos (como o de que menos de 10% das terras estariam livres para usos econômicos, pois 90% estariam em mãos de indígenas, quilombolas e unidades ambientais!!!) conjugam-se à sistemática deformação da atuação dos antropólogos em processos administrativos e jurídicos relativos a definição de terras indígenas.
Afirmações como a de que laudos e perícias seriam encomendados pela Funai [Fundação Nacional do Índio] a antropólogos das ONGs e pagos em função do número de indígenas e terras "identificadas" (!) são obviamente falsas e irresponsáveis. As perícias são contratações realizadas pelos juízes visando subsidiar técnica e cientificamente os casos em exame, como quaisquer outras perícias usuais em procedimentos legais. Para isto o juiz seleciona currículos e se apóia na experiência da PGR e em consultas a ABA para a indicação de profissionais habilitados. Quando a Funai seleciona antropólogos para trabalhos antropológicos o faz seguindo os procedimentos e cautelas da administração pública. Os profissionais que realizam tais tarefas foram todos formados e treinados nas universidades e programas de pós-graduação existentes no país, como parte integrante do sistema brasileiro de ciência e tecnologia. A imagem que a reportagem tenta criar da política indigenista como uma verdadeira terra de ninguém, ao sabor do arbítrio e das negociatas, é um absurdo completo e tem apenas por finalidade deslegitimar o direito de coletividades anteriormente subalternizadas e marginalizadas.
Não há qualquer esforço em ser analítico, em ouvir os argumentos dos que ali foram violentamente criticados e ridicularizados. A maneira insultuosa com que são referidas diversas lideranças indígenas e quilombolas, bem como truncadas as suas declarações, também surpreende e causa revolta. Subtítulos como "os novos canibais", "macumbeiros de cocar", "teatrinho na praia", "made in Paraguai", "os carambolas", explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas tais pessoas. Enquanto nas criticas aos antropólogos raramente são mencionados nomes (possivelmente para não gerar demandas por direito de resposta), para os indígenas o tratamento ultrajante é na maioria das vezes individualizado e a pessoa agredida abertamente identificada. Algumas vezes até isto vem acompanhado de foto.
A linguagem utilizada é unicamente acusatória, servindo-se extensamente da chacota, da difamação e do desrespeito. As diversas situações abordadas foram tratadas com extrema superficialidade, as descrições de fatos assim como a colocação de adjetivos ocorreram sempre de modo totalmente genérico e descontextualizado, sem qualquer indicação de fontes. Um dos antropólogos citado como supostamente endossando o ponto de vista dos autores da reportagem afirmou taxativamente que não concorda e jamais disse o que a revista lhe atribuiu, considerando a matéria "repugnante". O outro, que foi presidente da Funai por 4 anos, critica duramente a matéria e destaca igualmente que a citação dele feita corresponde a "uma frase impronunciada" e de "sentido desvirtuante" de sua própria visão. Como comenta ironicamente o jornalista Luciano Martins Costa, na edição de 03-05-2010 do Observatório da Imprensa, "Veja acaba de inventar a reserva de frases manipuladas".
A agressão sofrida pelos antropólogos não é de maneira alguma nova nem os personagens envolvidos são desconhecidos. Um breve sobrevoo dos últimos anos evidencia isto. O antropólogo Stephen Baines em 2006 concedeu uma longa entrevista a Veja sobre os índios Waimiri-Atroari, população sobre a qual escrevera anos antes sua tese de doutoramento. A matéria não saiu, mas poucos meses depois, uma reportagem intitulada "Os Falsos Índios", publicada em 29 de março de 2006, defendendo claramente os interesses das grandes mineradoras e empresas hidroelétricas em terras indígenas, inverteu de maneira grosseira as declarações do antropólogo (pg. 87). Apesar dos insistentes pedidos do antropólogo para retificação, sua carta de esclarecimento jamais foi publicada pela revista. O autor da entrevista não publicada e da reportagem era o Sr. Leonardo Coutinho, um dos autores da matéria divulgada na última semana pelo mesmo meio de comunicação.
Em 14-03-2007, na edição 1999, entre as pgs. 56 e 58, uma nova invectiva contra os indígenas foi realizada pela Veja, agora visando o povo Guarani e tendo como título "Made in Paraguai – A FUNAI tenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome". O autor era José Edward, parceiro de Leonardo Coutinho, na matéria citada no parágrafo anterior. Curiosamente um subtítulo foi repetido na matéria da semana passada – "Made In Paraguay". O então presidente da ABA, Luis Roberto Cardoso de Oliveira, solicitou o direito de resposta e encaminhou um texto à revista, que nem sequer lhe respondeu.
Poucos meses depois a revista Veja, em sua edição 2021, voltou à carga com grande sensacionalismo. A matéria de 15-08-2007 era intitulada "Crimes na Floresta – Muitas tribos brasileiras ainda matam crianças e a FUNAI nada faz para impedir o infanticídio" (pgs. 104-106). O subtítulo diz explicitamente que o infanticídio não teria sido abandonado pelos indígenas em razão do "apoio de antropólogos e a tolerância da FUNAI." A matéria novamente foi assinada pelo mesmo Leonardo Coutinho. Novamente o protesto da ABA foi ignorado pela revista e pode circular apenas através do site da entidade.
Em suma, jornalismo opinativo não pode significar um exercício impune da mentira nem práticas sistemáticas de detratação sem admissão de di reito de resposta. O mérito de uma opinião decorre de informação qualificada, de isenção e equilíbrio. Ao menos no que concerne aos indígenas as matérias elaboradas pela Veja, apenas requentam informações velhas, descontextualizadas e superficiais, assumindo as características de uma campanha, orquestrada sempre pelos mesmos figurantes, que procuram pela reiteração inculcar posturas preconceituosas na opinião pública.
No acima citado comentário do Observatório da Imprensa o jornalista Luciano Martins Costa aprendeu muito bem e expôs sinteticamente o argumento central da revista no que concerne a assuntos indígenas: "A revista afirma que existe uma organização altamente articulada que se dedica a congelar grandes fatias do território nacional, formada por organizações não governamentais e apoiada por antropólogos. Essa suposta "indústria da demarcação" seria a grande ameaça ao futuro do Brasil." Este é o argumento constante que reúne não só a matéria da semana passada, ma s as intervenções anteriores da revista sobre o tema. Os elos de continuidade fazem lembrar uma verdadeira campanha.
Numa análise minuciosa desta revista, realizada em seu site, o jornalista Luis Nassif fala de uma perigosa proximidade entre lobistas e repórteres nas revistas classificadas como do estilo "neocon". A presença de "reporteres de dossier" é uma outra característica deste tipo de revista. À luz destes comentários caberia atentar para a lista de situações onde a condição de indígenas é sistematicamente questionada pela revista. Aí aparecem os Anacés, que vivem no município de São Gonçalo do Amarante (onde está o porto de Pecem, no Ceará); os Guarani-M'bià, confrontados por uma proposta do megainvestidor Eike Batista de construção de um grande porto em Peruíbe, São Paulo; e os mesmos Guaranis de Morro dos Cavalos (SC), que lutam contra interesses poderosos, sendo qualificados como "paraguaios" (tal como, aliás, os seus parentes Kayowá e Nandevá do Mato Grosso do Sul, em confronto com o agro-negócio pelo reconhecimento de suas terras).
Como o objetivo último é enfraquecer os direitos indígenas (que naturalmente se materializam em disputas concretas muitas vezes com poderosos interesses privados), os alvos centrais destes ataques tornam-se os antropólogos, os líderes indígenas e os seus aliados (a matéria cita o Conselho Indigenista Missionário/CIMI por várias vezes e sempre de forma igualmente desrespeitosa e inadequada).
É neste sentido que a CAI vem expressar sua posição quanto a necessidade de uma responsabilização legal dos praticantes de tal jornalismo, processando-os por danos morais e difamação. Neste momento a Presidência da ABA, está em conjunto com seus assessores no campo jurídico, visando definir a estratégia processual de intervenção a seguir.
Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para , através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão."
João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas/CAI
Aqui o link para o PDF (no site da ABA):
http://www.abant.org.br/conteudo/005COMISSOESGTS/Documentos%20da%20CAI/NotaCAI-ABA.pdf
É isso aí. Não partilho que a revista VEJA deve ser apenas responsabilizada crininalmente a pagar uma indenização para os injuriados pela reportagem (e pelas reportagens). É papel relevante sim, desmentir com argumentos os absurdos que a revista publica. Estas duas ações são necessárias.
Saudações.
Frente à publicação de matéria intitulada 'A farra da antropologia oportunista' (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), a diretoria da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em nome de seus associados, clama pelo exercício de jornalismo responsável, exigindo respeito à atuação profissional do quadro de antropólogos disponível no Brasil, formados pelos mais rigorosos cânones científicos e regidos por estritas diretrizes éticas, teóricas, epistemológicas e metodológicas, reconhecidas internacionalmente e avaliadas por pares da mais elevada estatura cientifica, bem como por autoridades de áreas afins.
A ABA reserva-se ao direito de exigir dos editores da revista semanal 'Veja' que publique matéria em desagravo pelo desrespeito generalizado aos profissionais e acadêmicos da área."
"Nota da Comissão de Assuntos Indígenas-CAI/ABA
A reportagem divulgada pelo último número da revista 'Veja', provocativamente intitulada "Farra da Antropologia oportunista", acarretou uma ampla e profunda indignação entre os antropólogos, especialmente aqueles que pesquisam e trabalham com temas relacionados aos povos indígenas. Dados quantitativos inteiramente equivocados e fantasiosos (como o de que menos de 10% das terras estariam livres para usos econômicos, pois 90% estariam em mãos de indígenas, quilombolas e unidades ambientais!!!) conjugam-se à sistemática deformação da atuação dos antropólogos em processos administrativos e jurídicos relativos a definição de terras indígenas.
Afirmações como a de que laudos e perícias seriam encomendados pela Funai [Fundação Nacional do Índio] a antropólogos das ONGs e pagos em função do número de indígenas e terras "identificadas" (!) são obviamente falsas e irresponsáveis. As perícias são contratações realizadas pelos juízes visando subsidiar técnica e cientificamente os casos em exame, como quaisquer outras perícias usuais em procedimentos legais. Para isto o juiz seleciona currículos e se apóia na experiência da PGR e em consultas a ABA para a indicação de profissionais habilitados. Quando a Funai seleciona antropólogos para trabalhos antropológicos o faz seguindo os procedimentos e cautelas da administração pública. Os profissionais que realizam tais tarefas foram todos formados e treinados nas universidades e programas de pós-graduação existentes no país, como parte integrante do sistema brasileiro de ciência e tecnologia. A imagem que a reportagem tenta criar da política indigenista como uma verdadeira terra de ninguém, ao sabor do arbítrio e das negociatas, é um absurdo completo e tem apenas por finalidade deslegitimar o direito de coletividades anteriormente subalternizadas e marginalizadas.
Não há qualquer esforço em ser analítico, em ouvir os argumentos dos que ali foram violentamente criticados e ridicularizados. A maneira insultuosa com que são referidas diversas lideranças indígenas e quilombolas, bem como truncadas as suas declarações, também surpreende e causa revolta. Subtítulos como "os novos canibais", "macumbeiros de cocar", "teatrinho na praia", "made in Paraguai", "os carambolas", explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas tais pessoas. Enquanto nas criticas aos antropólogos raramente são mencionados nomes (possivelmente para não gerar demandas por direito de resposta), para os indígenas o tratamento ultrajante é na maioria das vezes individualizado e a pessoa agredida abertamente identificada. Algumas vezes até isto vem acompanhado de foto.
A linguagem utilizada é unicamente acusatória, servindo-se extensamente da chacota, da difamação e do desrespeito. As diversas situações abordadas foram tratadas com extrema superficialidade, as descrições de fatos assim como a colocação de adjetivos ocorreram sempre de modo totalmente genérico e descontextualizado, sem qualquer indicação de fontes. Um dos antropólogos citado como supostamente endossando o ponto de vista dos autores da reportagem afirmou taxativamente que não concorda e jamais disse o que a revista lhe atribuiu, considerando a matéria "repugnante". O outro, que foi presidente da Funai por 4 anos, critica duramente a matéria e destaca igualmente que a citação dele feita corresponde a "uma frase impronunciada" e de "sentido desvirtuante" de sua própria visão. Como comenta ironicamente o jornalista Luciano Martins Costa, na edição de 03-05-2010 do Observatório da Imprensa, "Veja acaba de inventar a reserva de frases manipuladas".
A agressão sofrida pelos antropólogos não é de maneira alguma nova nem os personagens envolvidos são desconhecidos. Um breve sobrevoo dos últimos anos evidencia isto. O antropólogo Stephen Baines em 2006 concedeu uma longa entrevista a Veja sobre os índios Waimiri-Atroari, população sobre a qual escrevera anos antes sua tese de doutoramento. A matéria não saiu, mas poucos meses depois, uma reportagem intitulada "Os Falsos Índios", publicada em 29 de março de 2006, defendendo claramente os interesses das grandes mineradoras e empresas hidroelétricas em terras indígenas, inverteu de maneira grosseira as declarações do antropólogo (pg. 87). Apesar dos insistentes pedidos do antropólogo para retificação, sua carta de esclarecimento jamais foi publicada pela revista. O autor da entrevista não publicada e da reportagem era o Sr. Leonardo Coutinho, um dos autores da matéria divulgada na última semana pelo mesmo meio de comunicação.
Em 14-03-2007, na edição 1999, entre as pgs. 56 e 58, uma nova invectiva contra os indígenas foi realizada pela Veja, agora visando o povo Guarani e tendo como título "Made in Paraguai – A FUNAI tenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome". O autor era José Edward, parceiro de Leonardo Coutinho, na matéria citada no parágrafo anterior. Curiosamente um subtítulo foi repetido na matéria da semana passada – "Made In Paraguay". O então presidente da ABA, Luis Roberto Cardoso de Oliveira, solicitou o direito de resposta e encaminhou um texto à revista, que nem sequer lhe respondeu.
Poucos meses depois a revista Veja, em sua edição 2021, voltou à carga com grande sensacionalismo. A matéria de 15-08-2007 era intitulada "Crimes na Floresta – Muitas tribos brasileiras ainda matam crianças e a FUNAI nada faz para impedir o infanticídio" (pgs. 104-106). O subtítulo diz explicitamente que o infanticídio não teria sido abandonado pelos indígenas em razão do "apoio de antropólogos e a tolerância da FUNAI." A matéria novamente foi assinada pelo mesmo Leonardo Coutinho. Novamente o protesto da ABA foi ignorado pela revista e pode circular apenas através do site da entidade.
Em suma, jornalismo opinativo não pode significar um exercício impune da mentira nem práticas sistemáticas de detratação sem admissão de di reito de resposta. O mérito de uma opinião decorre de informação qualificada, de isenção e equilíbrio. Ao menos no que concerne aos indígenas as matérias elaboradas pela Veja, apenas requentam informações velhas, descontextualizadas e superficiais, assumindo as características de uma campanha, orquestrada sempre pelos mesmos figurantes, que procuram pela reiteração inculcar posturas preconceituosas na opinião pública.
No acima citado comentário do Observatório da Imprensa o jornalista Luciano Martins Costa aprendeu muito bem e expôs sinteticamente o argumento central da revista no que concerne a assuntos indígenas: "A revista afirma que existe uma organização altamente articulada que se dedica a congelar grandes fatias do território nacional, formada por organizações não governamentais e apoiada por antropólogos. Essa suposta "indústria da demarcação" seria a grande ameaça ao futuro do Brasil." Este é o argumento constante que reúne não só a matéria da semana passada, ma s as intervenções anteriores da revista sobre o tema. Os elos de continuidade fazem lembrar uma verdadeira campanha.
Numa análise minuciosa desta revista, realizada em seu site, o jornalista Luis Nassif fala de uma perigosa proximidade entre lobistas e repórteres nas revistas classificadas como do estilo "neocon". A presença de "reporteres de dossier" é uma outra característica deste tipo de revista. À luz destes comentários caberia atentar para a lista de situações onde a condição de indígenas é sistematicamente questionada pela revista. Aí aparecem os Anacés, que vivem no município de São Gonçalo do Amarante (onde está o porto de Pecem, no Ceará); os Guarani-M'bià, confrontados por uma proposta do megainvestidor Eike Batista de construção de um grande porto em Peruíbe, São Paulo; e os mesmos Guaranis de Morro dos Cavalos (SC), que lutam contra interesses poderosos, sendo qualificados como "paraguaios" (tal como, aliás, os seus parentes Kayowá e Nandevá do Mato Grosso do Sul, em confronto com o agro-negócio pelo reconhecimento de suas terras).
Como o objetivo último é enfraquecer os direitos indígenas (que naturalmente se materializam em disputas concretas muitas vezes com poderosos interesses privados), os alvos centrais destes ataques tornam-se os antropólogos, os líderes indígenas e os seus aliados (a matéria cita o Conselho Indigenista Missionário/CIMI por várias vezes e sempre de forma igualmente desrespeitosa e inadequada).
É neste sentido que a CAI vem expressar sua posição quanto a necessidade de uma responsabilização legal dos praticantes de tal jornalismo, processando-os por danos morais e difamação. Neste momento a Presidência da ABA, está em conjunto com seus assessores no campo jurídico, visando definir a estratégia processual de intervenção a seguir.
Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para , através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão."
João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas/CAI
Aqui o link para o PDF (no site da ABA):
http://www.abant.org.br/conteudo/005COMISSOESGTS/Documentos%20da%20CAI/NotaCAI-ABA.pdf
É isso aí. Não partilho que a revista VEJA deve ser apenas responsabilizada crininalmente a pagar uma indenização para os injuriados pela reportagem (e pelas reportagens). É papel relevante sim, desmentir com argumentos os absurdos que a revista publica. Estas duas ações são necessárias.
Saudações.
COMENTÁRIO - A pergunta que fica é: até quando a revista Veja acha que irá conseguir levar essa política em sua redação? O trabalho em rede que cresce a cada dia amplia o nível crítico de leitura da população que, consequentemente, deixa de consumir produtos que se sujeitam a divulgar informações inventadas como essa. É um tiro no pé. Não só do ponto de vista jurídico, pois vem processo pela frente, como também jornalístico. A dimensão de um grave problema como esse se alastra pela rede e suja a imagem da Veja. Haverá uma hora que o anunciante não aceitará mais sua marca atrelada a um produto que é acusada de inventar frases e não aceitar o contraditório. A manutenção dessa política tem um caminho certo e que todos sabemos. Mas qual será o ponto da curva? Só a Veja sabe.
sexta-feira, abril 30, 2010
A curiosa retórica neocon tupiniquim
Postado por
Marcel
Retirado do Blog do Nassif - www.luisnassif.com.br
É curiosa a maneira como se desenvolveu a retórica neocon na Internet. Não se trata de nenhuma construção sofisticada, de sofismas engenhosos. É muito mais um conjunto de recursos presentes em brigas de valentões de bar ou bate-bocas de vizinhos, uma espécie de versão para adultos da fábula do lobo e da ovelha.
O ponto central é embaralhar a gravidade dos fatos, montar uma argumentação que transforme em fatos graves qualquer atitude banal do adversário e em fato banal qualquer atitude grave da sua parte. Quando houver reação à ofensa grave cometida, chame a vítima de "chorão", de dodói ou coisas do gênero.
O Eduardo Graeff é um bom estudo de caso porque passou a assimilar essa retórica não tendo historicamente praticado o cinismo na sua vida intelectual. Então entra no jogo como o almofadinha intelectual que resolve dançar rumba.
Dia desses fui ao cinema com as menininhas, no Shopping Metrô Santa Cruz. Bati boca com um sujeito que furou a fila. Suas respostas despertaram minha atenção para esse jogo de sofismas de barraco. O bate-boca foi muito instrutivo, porque o sujeito assimilou essa retórica de boteco provavelmente de alguns blogs de esgoto.
Acompanhe:
Estávamos na fila da pipoca quando o marmanjo passou à frente, intimidou a mocinha que servia e exigiu que fosse servido primeiro. Chamei sua atenção, de que estava furando a fila. O nível de seus argumentos me trouxe à lembrança imediatamente esse tipo de sofisma que campeia nesse mundo neocon. É tema muito interessante para linguistas ou estudiosos dessas retóricas vulgares. Confira:
- Você está furando a fila.
- Vou furar mesmo. Minha compra é muito menor do que a sua.
- Não importa. Você está furando a fila.
- Não me venha com essas lições de moral politicamente corretas. Só porque você acha que está certo se dá o direito de me criticar por uma ninharia.
- Prezado, não inverta a lógica: você está errado em furar a fila.
- E você acha certo bater boca com estranhos na frente das suas filhas por uma coisa de nada?
- O que não é certo é furar a fila. Ensinei a elas que não se deve furar fila e quem fura fila se sujeita a levar chamadas de estranhos.
- Você não tem vergonha de discutir comigo na frente de suas filhas?
- Você não tem vergonha de furar a fila e levar pito de terceiros?
- Não me diga que você nunca furou filas?
- Não, senhor, e ensino minhas filhas que é feio furar filas.
É exasperante esse tipo de retórica.
Outra versão é do sujeito que, por exemplo, chuta uma velhinha. Você chama sua atenção, que absurdo chutar a velhinha. E ele se vira e diz: o que é que tem chutar velhinha, para de fazer drama.
Obviamente o exemplo acima é uma caricatura, mas serve para ilustrar essa loucura que se tornou padrão na Internet.
Por exemplo, passei a sofrer ataques difamatórios no Twitter. Identifiquei os mais agressivos e dei visibilidade aqui. Um deles me acusou de estar perseguindo-os. Outro disse que tremia de medo de sofrer um atentado. Um terceiro me acusou de chorão.
Esse tipo de lógica de botequim foi aplicada pelo Mainardi no auge do jornalismo de esgoto. Quando Paulo Henrique o processou, alegou que jornalista não processava jornalista e que o Paulo era fraco, por não aguentar pancada.
Quando montei minha série sobre a Veja, foi correndo esconder-se atrás dos advogados da Abril para me processar – com a Abril bancando as custas. Seria interessante nossos especialistas discorrerem e sistematizarem esse tipo de jogo retórico.
É curiosa a maneira como se desenvolveu a retórica neocon na Internet. Não se trata de nenhuma construção sofisticada, de sofismas engenhosos. É muito mais um conjunto de recursos presentes em brigas de valentões de bar ou bate-bocas de vizinhos, uma espécie de versão para adultos da fábula do lobo e da ovelha.
O ponto central é embaralhar a gravidade dos fatos, montar uma argumentação que transforme em fatos graves qualquer atitude banal do adversário e em fato banal qualquer atitude grave da sua parte. Quando houver reação à ofensa grave cometida, chame a vítima de "chorão", de dodói ou coisas do gênero.
O Eduardo Graeff é um bom estudo de caso porque passou a assimilar essa retórica não tendo historicamente praticado o cinismo na sua vida intelectual. Então entra no jogo como o almofadinha intelectual que resolve dançar rumba.
Dia desses fui ao cinema com as menininhas, no Shopping Metrô Santa Cruz. Bati boca com um sujeito que furou a fila. Suas respostas despertaram minha atenção para esse jogo de sofismas de barraco. O bate-boca foi muito instrutivo, porque o sujeito assimilou essa retórica de boteco provavelmente de alguns blogs de esgoto.
Acompanhe:
Estávamos na fila da pipoca quando o marmanjo passou à frente, intimidou a mocinha que servia e exigiu que fosse servido primeiro. Chamei sua atenção, de que estava furando a fila. O nível de seus argumentos me trouxe à lembrança imediatamente esse tipo de sofisma que campeia nesse mundo neocon. É tema muito interessante para linguistas ou estudiosos dessas retóricas vulgares. Confira:
- Você está furando a fila.
- Vou furar mesmo. Minha compra é muito menor do que a sua.
- Não importa. Você está furando a fila.
- Não me venha com essas lições de moral politicamente corretas. Só porque você acha que está certo se dá o direito de me criticar por uma ninharia.
- Prezado, não inverta a lógica: você está errado em furar a fila.
- E você acha certo bater boca com estranhos na frente das suas filhas por uma coisa de nada?
- O que não é certo é furar a fila. Ensinei a elas que não se deve furar fila e quem fura fila se sujeita a levar chamadas de estranhos.
- Você não tem vergonha de discutir comigo na frente de suas filhas?
- Você não tem vergonha de furar a fila e levar pito de terceiros?
- Não me diga que você nunca furou filas?
- Não, senhor, e ensino minhas filhas que é feio furar filas.
É exasperante esse tipo de retórica.
Outra versão é do sujeito que, por exemplo, chuta uma velhinha. Você chama sua atenção, que absurdo chutar a velhinha. E ele se vira e diz: o que é que tem chutar velhinha, para de fazer drama.
Obviamente o exemplo acima é uma caricatura, mas serve para ilustrar essa loucura que se tornou padrão na Internet.
Por exemplo, passei a sofrer ataques difamatórios no Twitter. Identifiquei os mais agressivos e dei visibilidade aqui. Um deles me acusou de estar perseguindo-os. Outro disse que tremia de medo de sofrer um atentado. Um terceiro me acusou de chorão.
Esse tipo de lógica de botequim foi aplicada pelo Mainardi no auge do jornalismo de esgoto. Quando Paulo Henrique o processou, alegou que jornalista não processava jornalista e que o Paulo era fraco, por não aguentar pancada.
Quando montei minha série sobre a Veja, foi correndo esconder-se atrás dos advogados da Abril para me processar – com a Abril bancando as custas. Seria interessante nossos especialistas discorrerem e sistematizarem esse tipo de jogo retórico.
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