Por Maira Magro (Publicado no Knight Center for Journalism
Num ambiente de disputa acirrada no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, alguns meios de comunicação entraram na briga e tomaram partido, de forma às vezes óbvia e outras nem tanto, nas votações de 31 de outubro.
As manifestações mais recentes vieram do exterior: o jornal britânico Financial Times publicou um editorial nesta terça-feira, 26, defendendo a eleição de José Serra (PSDB). Uma semana antes, a revistaThe Economist havia afirmado que "Serra seria um melhor presidente que Dilma Rousseff (PT)".
No Brasil, a candidatura tucana foi defendida em editorial do Estado de S. Paulo, enquanto a revista Carta Capital declarou expressamente apoio a Dilma.
Outra batalha foi travada pelo conteúdo das próprias matérias jornalísticas, com maior engajamento das semanais. A Veja publicou capas abertamente contrárias a Dilma, uma apontando posições incongruentes em relação ao aborto. A IstoÉ saiu em defesa da candidata petista, e lançou na semana seguinte uma capa ironizando a revista concorrente – com um layout idêntico, mas com declarações contraditórias de Serra sobre denúncias envolvendo a campanha.
Na ausência de propostas abrangentes de ambas as candidaturas sobre os temas mais relevantes para o país, a cobertura jornalística na reta final das eleições se deteve em acusações cruzadas e discussões conservadoras de assuntos como religião e aborto. O esvaziamento das discussões de projetos políticos também ficou claro nas páginas inteiras de jornais dedicadas a episódios como uma bolinha de papel e um rolo de adesivo atingindo a cabeça de Serra e uma bexiga de água jogada em direção a Dilma.
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quinta-feira, outubro 28, 2010
terça-feira, setembro 28, 2010
"Morte" de senador foi o tiro no pé
Postado por
Marcel
Por Rogério Christofoletti no site Observatório da Imprensa
A tuitosfera brasileira convulsionou na noite da sexta-feira (24/9). O gatilho foi a publicação da notícia sobre a morte do senador Romeu Tuma pelos principais portais da internet. Em minutos, soube-se que não passava de um erro e que o senador – internado por doença – tentava se recuperar. Em minutos também, o tema entrou para os Trending Topics no país, o que equivale a dizer que era dos mais comentados no Twitter.
É claro que o equívoco não é o primeiro da internet nacional. Infelizmente, não será o último. Tudo por uma simples razão: embora o jornalismo ganhe com novas possibilidades tecnológicas, ainda carece de mecanismos de controle de qualidade da informação. Quer dizer, contas no Twitter auxiliam na propagação rápida das notícias funcionando como alertas informativos, mas ficam restritas a isso; não impedem que erros sejam cometidos. Podem até tentar atenuar as consequências de algum deslize, mas é como tentar segurar um punhado de areia com os dedos...
Foi o caso da Folha.com, de onde teria partido a informação falsa da morte de Tuma. O anúncio foi publicado no portal às 19h29, e em seguida, retirado. A editora do caderno "Poder", Vera Magalhães, apressou-se em pedir desculpas pelo Twitter:
CORREÇÃO A Folha.com errou: o senador Romeu Tuma não morreu e permanece internado http://is.gd/frnjg
Entretanto, a tentativa de correção veio quase duas horas depois do alarde, o que é uma eternidade na internet.
Velocidade e fidedignidade
O que está em jogo aqui? Diversas coisas, inclusive algumas muito caras ao jornalismo, como a sua credibilidade. A internet em geral e as redes sociais em particular trouxeram grandes possibilidades para o setor jornalístico, e não se pode retroagir. No entanto, a mesma pressa para difundir informações tem que acompanhar a preocupação com retificações e retratações. Está aí embutido um compromisso ético entre o jornalista, seu veículo e o público.
O leitor delega ao profissional e ao meio as funções de apurar informações e abastecê-lo com notícias. O erro faz parte da atividade humana, e ninguém está livre dele. A pressa apenas amplia a sua ocorrência. Os portais noticiosos devem se manter ágeis na difusão das notícias, mas isso implica assumir riscos maiores. Não basta assumir os riscos, é preciso ter mecanismos de controle de qualidade que primeiro, reduzam a margem do erro e, segundo, diminuam os danos de eventuais erros.
É esperar muito? Não. Não é. É apenas esperar que um veículo informe com correção e precisão, nada além do que já se esperava do jornalismo antes da internet. Se os veículos da web não podem oferecer isso, não merecem a atenção do público, não contam com a credibilidade mínima para se manterem no negócio.
É preciso sacrificar a velocidade para se ter informações mais corretas e precisas? Talvez, talvez.
A tuitosfera brasileira convulsionou na noite da sexta-feira (24/9). O gatilho foi a publicação da notícia sobre a morte do senador Romeu Tuma pelos principais portais da internet. Em minutos, soube-se que não passava de um erro e que o senador – internado por doença – tentava se recuperar. Em minutos também, o tema entrou para os Trending Topics no país, o que equivale a dizer que era dos mais comentados no Twitter.
É claro que o equívoco não é o primeiro da internet nacional. Infelizmente, não será o último. Tudo por uma simples razão: embora o jornalismo ganhe com novas possibilidades tecnológicas, ainda carece de mecanismos de controle de qualidade da informação. Quer dizer, contas no Twitter auxiliam na propagação rápida das notícias funcionando como alertas informativos, mas ficam restritas a isso; não impedem que erros sejam cometidos. Podem até tentar atenuar as consequências de algum deslize, mas é como tentar segurar um punhado de areia com os dedos...
Foi o caso da Folha.com, de onde teria partido a informação falsa da morte de Tuma. O anúncio foi publicado no portal às 19h29, e em seguida, retirado. A editora do caderno "Poder", Vera Magalhães, apressou-se em pedir desculpas pelo Twitter:
CORREÇÃO A Folha.com errou: o senador Romeu Tuma não morreu e permanece internado http://is.gd/frnjg
Entretanto, a tentativa de correção veio quase duas horas depois do alarde, o que é uma eternidade na internet.
Velocidade e fidedignidade
O que está em jogo aqui? Diversas coisas, inclusive algumas muito caras ao jornalismo, como a sua credibilidade. A internet em geral e as redes sociais em particular trouxeram grandes possibilidades para o setor jornalístico, e não se pode retroagir. No entanto, a mesma pressa para difundir informações tem que acompanhar a preocupação com retificações e retratações. Está aí embutido um compromisso ético entre o jornalista, seu veículo e o público.
O leitor delega ao profissional e ao meio as funções de apurar informações e abastecê-lo com notícias. O erro faz parte da atividade humana, e ninguém está livre dele. A pressa apenas amplia a sua ocorrência. Os portais noticiosos devem se manter ágeis na difusão das notícias, mas isso implica assumir riscos maiores. Não basta assumir os riscos, é preciso ter mecanismos de controle de qualidade que primeiro, reduzam a margem do erro e, segundo, diminuam os danos de eventuais erros.
É esperar muito? Não. Não é. É apenas esperar que um veículo informe com correção e precisão, nada além do que já se esperava do jornalismo antes da internet. Se os veículos da web não podem oferecer isso, não merecem a atenção do público, não contam com a credibilidade mínima para se manterem no negócio.
É preciso sacrificar a velocidade para se ter informações mais corretas e precisas? Talvez, talvez.
terça-feira, junho 22, 2010
O equívoco dos grandes jornais
Postado por
Marcel
Por Jorge Fernando dos Santos (retirado do Observatório da Imprensa)
Matéria publicada no portal Comunique-se na sexta-feira (11/6) destacou uma reportagem da revista The Economist intitulada "A sobrevivência da tinta", sobre a boa performance dos jornais impressos [ver, neste Observatório, "Teimosos e lutando pela sobrevivência"]. Ao contrário das previsões catastróficas de 2009, a reportagem mostra um cenário favorável à recuperação dos títulos norte-americanos e registra lucros recordes na Alemanha, além do crescimento da circulação no Brasil.
A revista afirma que "a crescente classe média do Brasil gosta dos jornais baratos, que exploram os assassinatos e biquínis". Eis o X da questão: a classe média brasileira não está em franco crescimento. De fato, as condições econômicas do país após o Plano Real permitiram a gradativa inclusão das classes C e D no mercado de consumo, com pequena melhoria de renda e facilidades de crédito. No entanto, a conta desse milagre tem sido paga justamente pela classe média.
Os tablóides sensacionalistas geralmente são consumidos não pela classe média, mas por pessoas das classes C e D, que antes não tinham dinheiro para comprar jornais e que ainda apresentam uma baixa formação escolar. Daí o sucesso das publicações baratas, com matérias rasas e enxutas que podem ser folheadas numa viagem de ônibus ou metrô. Mas se esse é o modelo vencedor da mídia impressa brasileira, isso significa que o jornalismo nacional vai de mal a pior.
O Brasil tem características particulares que devem ser levadas em conta nesse tipo de análise. Como bem lembrou a senadora Marina Silva, no discurso de lançamento de sua candidatura à Presidência da República, na quinta-feira (10/6), cerca de 18% dos jovens brasileiros ainda são analfabetos. Isso sem levar em conta aqueles que passam pela escola sem que a escola passe por eles. São os analfabetos funcionais, que têm dificuldade até para escrever o próprio nome. Os tablóides sensacionalistas quase sempre são mal feitos. Apresentam erros de português e informações pela metade, que a clientela despreparada nem percebe.
Estatísticas apontam que o ensino básico brasileiro é um dos piores do mundo, gerando uma crescente massa de analfabetos funcionais. Em vez de reformar o ensino básico e oferecer uma escola pública e gratuita de qualidade para todos, o governo optou pelas cotas na universidade. Em outras palavras, nossas autoridades preferem remendar o telhado que reforçar o alicerce da casa. As cotas são importantes para remediar as desigualdades, mas é preciso bem mais que isso. Sem uma base sólida de conhecimento, os futuros formandos terão sérias dificuldades para sobreviver num mercado de trabalho cada vez mais exigente. Essa é a dura realidade que poucos conseguem enxergar.
segunda-feira, junho 14, 2010
Dines e a mídia
Postado por
Marcel
Alberto Dines faz um resgate histórico e um panorama sobre a mídia cotidiana.
segunda-feira, maio 31, 2010
A Web impulsiona o crescimento da narrativa jornalística visual
Postado por
Marcel
Postado por Carlos Castilho no Observatório da Imprensa

A expressão jornalismo visual é quase uma redundância porque a maior parte do que lemos e vemos é percebido pelo nosso cérebro por meio do sentido da visão. Mas a diferença se faz necessária por conta da idéia de que o texto não é uma imagem, o que é falso, mas acabou sendo validado pela prática das redações.
Tudo isto como um esclarecimento prévio à entrada no tema do post, que é o aumento acelerado do uso de imagens como canal para acesso a notícias e informação. O jornalismo que até agora era quase um sinônimo de texto começa a ser cada vez mais visual, graças principalmente à vertiginosa expansão de serviços online como o YouTube, Hulu e Vimeo.
Os primeiros a embarcar na nova onda do visual online foram os publicitários e marqueteiros que passaram a incorporar o vídeo como peça fundamental de qualquer publicidade na Web. Em 2009, nada menos que 187 bilhões de vídeos foram visualizados por usuários da rede em todo mundo e as previsões para 2010 já passam dos 200 bilhões.
Redações enxutas, equipes muito jovens
Postado por
Marcel
Por Débora Didonê em 25/5/2010 - retirado do Observatório da Imprensa
Enquanto seres humanos, pensamos com as palavras – por meio das quais damos sentido ao que somos e ao que nos acontece. Mas enquanto sociedade da informação só nos interessa saber sobre tudo para poder opinar sobre tudo – sem tempo para viver experiências. Esta é uma reflexão do espanhol Jorge Larrosa Bondía, especialista em Filosofia e Educação da Universidade de Barcelona, e foi trazida à tona pela jornalista e crítica de teatro Beth Néspoli durante o II Congresso de Jornalismo Cultural, realizado em maio, em São Paulo. Seu discurso inflamado conquistou olhares e ouvidos do público, atentíssimo à maneira como a palestrante interpretava a função social da comunicação. Apoiada em Bondía, Beth frisou: "Porque estamos sempre mobilizados, não podemos parar. Porque não podemos parar, nada nos acontece."
Enquanto seres humanos, pensamos com as palavras – por meio das quais damos sentido ao que somos e ao que nos acontece. Mas enquanto sociedade da informação só nos interessa saber sobre tudo para poder opinar sobre tudo – sem tempo para viver experiências. Esta é uma reflexão do espanhol Jorge Larrosa Bondía, especialista em Filosofia e Educação da Universidade de Barcelona, e foi trazida à tona pela jornalista e crítica de teatro Beth Néspoli durante o II Congresso de Jornalismo Cultural, realizado em maio, em São Paulo. Seu discurso inflamado conquistou olhares e ouvidos do público, atentíssimo à maneira como a palestrante interpretava a função social da comunicação. Apoiada em Bondía, Beth frisou: "Porque estamos sempre mobilizados, não podemos parar. Porque não podemos parar, nada nos acontece."
sexta-feira, maio 21, 2010
Homem sem fome, jornalismo inapetente
Postado por
Marcel
Por Eugênio Bucci em 21/5/2010
Reproduzido do Estado de S.Paulo
O mestre iogue Prahlad Jani, da Índia, tem 83 anos. Afirma que há mais de 70 não come nada. E passa bem. Há poucos dias, ele se deixou internar num hospital na cidade de Ahmedabad, onde uma equipe de 30 médicos, escolhida pelo Ministério da Defesa indiano, dedicou-se a monitorá-lo minuto a minuto. Os resultados divulgados são simplesmente inacreditáveis: ao menos durante o período em que esteve sob vigilância, o religioso efetivamente não ingeriu nem expeliu coisa alguma.
Como? É verdade? Bem, quem quiser saber mais sobre a história talvez apanhe um pouco. As notícias são escassas e vagas. Há referências a Prahlad Jani em sites variados, mas a internet é generosa e abundante em relatos que não merecem crédito. De calúnias contra os candidatos à Presidência da República (fantasias de mau gosto) a depoimentos minuciosos sobre excursões em discos voadores (mirações "do bem"), o inacreditável é o que não falta.
O caso do iogue, porém, foi registrado no Brasil em publicações sérias. Dou apenas dois exemplos. O Estado de S.Paulo, em sua edição de 11 de maio, deu poucas linhas a respeito, na página A20: "Iogue hindu não come nem bebe". No sábado, a revistaÉpoca trouxe algo mais alentado: duas páginas com mais dados e algumas ironias – como chamar o iogue de "autossustentável" e afirmar que, ao não comer nada, o mestre hindu realizou "o sonho de boa parte das mulheres".
Saúde perfeita
Piadas à parte, das duas, uma: ou estamos diante de um embuste desprezível (e ainda não desmascarado) ou diante de um fenômeno que põe em xeque o que imaginamos saber sobre biologia. Difícil pensar num acontecimento mais interessante e de maior relevância. Mesmo assim, a maior parte da imprensa dá de ombros. A revistaÉpoca, que procurou apurar um pouco mais, foi ouvir o médico cardiologista Nabil Ghorayeb, do Hospital do Coração, em São Paulo, que descartou a hipótese sem a menor hesitação: "Isso não existe, você não pode ficar sem nutrientes. De algum lugar ele tem de tirar." É como se ele decretasse: se esse tal de Prahlad Jani existe de verdade, ele precisa ser "desinventado" o quanto antes, pois não anda muito de acordo com os nossos cânones.
É claro que Ghorayeb tem sua razão: não há registro de uma célula que viva e se reproduza sem captar do exterior os tais "nutrientes", devolvendo ao exterior, depois, os, digamos assim, dejetos. Mas, se o cardiologista está certo, esse iogue é um impostor? A incerteza do leitor aumenta.
De seu lado, Prahlad Jani está aí, imperturbável. Ele não está lá longe, na cidade indiana de Ahmedabad: está bem próximo, na página do Estadão e também nas duas páginas da Época. Ele foi registrado como um fato jornalístico, ainda que meio discutível. Aparece no noticiário com algum índice de veracidade. Mais ainda: vem sendo estudado por um grupo de cientistas, dentro de parâmetros metodológicos aparentemente rigorosos. E se aí está, com o estatuto de fato jornalístico, por que não surgem reportagens mais conclusivas sobre ele? Por que a indiferença?
É bom anotar, estamos falando de uma indiferença reincidente. Há poucos anos, em 2003, uma pesquisa semelhante com o mesmo personagem apareceu na nossa imprensa e, também naquela ocasião, nada mais se falou. Agora, nesta semana, ele reaparece. Com a saúde perfeita, afirmam os médicos que o examinaram. Mentira? Verdade?
Desejo de viver
Às vezes bate na gente a sensação de que o mais fascinante da existência passa a milhares de quilômetros dos jornais que a gente lê. Às vezes o leitor experimenta o incômodo de se sentir mais curioso do que o jornalista que é pago para informá-lo. Esse iogue vem para nos fazer experimentar o mesmo incômodo. Ou os jornais demonstram a farsa, ou têm de ir mais fundo. Quando não optam nem por uma alternativa nem por outra, parece que não se incomodam com aquilo que nos aproxima da fronteira do desconhecido, o que deveria ser parte da inquietação jornalística.
Há mais de 20 anos eu li pela primeira vez a comparação que depois se tornaria um lugar-comum nos debates sobre a mídia: uma única edição do jornal The New York Times contém "mais informação do que o comum dos mortais poderia receber durante toda a sua vida na Inglaterra do século 17". A frase aparece no livro Ansiedade de Informação, de Richard Saul Wurman. Nunca acreditei muito nela, por um motivo elementar: o que os jornais chamam de informação é uma parte ínfima, exígua, das múltiplas manifestações com que fazemos contato diariamente. Quais eram as informações relevantes para um inglês do século 17? O dia em que as folhas começavam a cair das árvores? O sonho que ele teve na véspera? A gente não sabe – e esse tipo de coisa não sai no New York Times.
No mais, acreditamos que o desconhecido seja matéria para a ciência, não para o jornalismo. E quanto à ciência, ela mesma não passa de uma chama de vela tentando iluminar a escuridão, como Carl Sagan gostava de dizer. Em matéria de ciência, nós não sabemos quase nada. E em matéria de jornalismo, nós nos perguntamos menos ainda. Inclusive sobre ciência.
E então? Quem é esse homem que diz não precisar do "pão nosso de cada dia"? Por acaso ele sabe rezar o Pai-Nosso? Ou também não precisa? Num mundo sufocado pelas necessidades artificiais, em que vamos aos tropeções, em massas compactas de seres que se sentem solitários, famintos de afeto, de prazeres intoxicantes, de deuses que nos acudam, de um copo d´água, de uma esmola, de aparecer na coluna social fazendo caridade, de azeite "trufado", qual o significado de um iogue que não sente fome? Será que ele sente desejo? Talvez até exista vida depois da morte, mas pode existir vida além do desejo de viver? Que pergunta nos espreita nos olhos plácidos de Prahlad Jani?
E que jornalismo é o nosso, que não encara essa pergunta?
Reproduzido do Estado de S.Paulo
O mestre iogue Prahlad Jani, da Índia, tem 83 anos. Afirma que há mais de 70 não come nada. E passa bem. Há poucos dias, ele se deixou internar num hospital na cidade de Ahmedabad, onde uma equipe de 30 médicos, escolhida pelo Ministério da Defesa indiano, dedicou-se a monitorá-lo minuto a minuto. Os resultados divulgados são simplesmente inacreditáveis: ao menos durante o período em que esteve sob vigilância, o religioso efetivamente não ingeriu nem expeliu coisa alguma.
Como? É verdade? Bem, quem quiser saber mais sobre a história talvez apanhe um pouco. As notícias são escassas e vagas. Há referências a Prahlad Jani em sites variados, mas a internet é generosa e abundante em relatos que não merecem crédito. De calúnias contra os candidatos à Presidência da República (fantasias de mau gosto) a depoimentos minuciosos sobre excursões em discos voadores (mirações "do bem"), o inacreditável é o que não falta.
O caso do iogue, porém, foi registrado no Brasil em publicações sérias. Dou apenas dois exemplos. O Estado de S.Paulo, em sua edição de 11 de maio, deu poucas linhas a respeito, na página A20: "Iogue hindu não come nem bebe". No sábado, a revistaÉpoca trouxe algo mais alentado: duas páginas com mais dados e algumas ironias – como chamar o iogue de "autossustentável" e afirmar que, ao não comer nada, o mestre hindu realizou "o sonho de boa parte das mulheres".
Saúde perfeita
Piadas à parte, das duas, uma: ou estamos diante de um embuste desprezível (e ainda não desmascarado) ou diante de um fenômeno que põe em xeque o que imaginamos saber sobre biologia. Difícil pensar num acontecimento mais interessante e de maior relevância. Mesmo assim, a maior parte da imprensa dá de ombros. A revistaÉpoca, que procurou apurar um pouco mais, foi ouvir o médico cardiologista Nabil Ghorayeb, do Hospital do Coração, em São Paulo, que descartou a hipótese sem a menor hesitação: "Isso não existe, você não pode ficar sem nutrientes. De algum lugar ele tem de tirar." É como se ele decretasse: se esse tal de Prahlad Jani existe de verdade, ele precisa ser "desinventado" o quanto antes, pois não anda muito de acordo com os nossos cânones.
É claro que Ghorayeb tem sua razão: não há registro de uma célula que viva e se reproduza sem captar do exterior os tais "nutrientes", devolvendo ao exterior, depois, os, digamos assim, dejetos. Mas, se o cardiologista está certo, esse iogue é um impostor? A incerteza do leitor aumenta.
De seu lado, Prahlad Jani está aí, imperturbável. Ele não está lá longe, na cidade indiana de Ahmedabad: está bem próximo, na página do Estadão e também nas duas páginas da Época. Ele foi registrado como um fato jornalístico, ainda que meio discutível. Aparece no noticiário com algum índice de veracidade. Mais ainda: vem sendo estudado por um grupo de cientistas, dentro de parâmetros metodológicos aparentemente rigorosos. E se aí está, com o estatuto de fato jornalístico, por que não surgem reportagens mais conclusivas sobre ele? Por que a indiferença?
É bom anotar, estamos falando de uma indiferença reincidente. Há poucos anos, em 2003, uma pesquisa semelhante com o mesmo personagem apareceu na nossa imprensa e, também naquela ocasião, nada mais se falou. Agora, nesta semana, ele reaparece. Com a saúde perfeita, afirmam os médicos que o examinaram. Mentira? Verdade?
Desejo de viver
Às vezes bate na gente a sensação de que o mais fascinante da existência passa a milhares de quilômetros dos jornais que a gente lê. Às vezes o leitor experimenta o incômodo de se sentir mais curioso do que o jornalista que é pago para informá-lo. Esse iogue vem para nos fazer experimentar o mesmo incômodo. Ou os jornais demonstram a farsa, ou têm de ir mais fundo. Quando não optam nem por uma alternativa nem por outra, parece que não se incomodam com aquilo que nos aproxima da fronteira do desconhecido, o que deveria ser parte da inquietação jornalística.
Há mais de 20 anos eu li pela primeira vez a comparação que depois se tornaria um lugar-comum nos debates sobre a mídia: uma única edição do jornal The New York Times contém "mais informação do que o comum dos mortais poderia receber durante toda a sua vida na Inglaterra do século 17". A frase aparece no livro Ansiedade de Informação, de Richard Saul Wurman. Nunca acreditei muito nela, por um motivo elementar: o que os jornais chamam de informação é uma parte ínfima, exígua, das múltiplas manifestações com que fazemos contato diariamente. Quais eram as informações relevantes para um inglês do século 17? O dia em que as folhas começavam a cair das árvores? O sonho que ele teve na véspera? A gente não sabe – e esse tipo de coisa não sai no New York Times.
No mais, acreditamos que o desconhecido seja matéria para a ciência, não para o jornalismo. E quanto à ciência, ela mesma não passa de uma chama de vela tentando iluminar a escuridão, como Carl Sagan gostava de dizer. Em matéria de ciência, nós não sabemos quase nada. E em matéria de jornalismo, nós nos perguntamos menos ainda. Inclusive sobre ciência.
E então? Quem é esse homem que diz não precisar do "pão nosso de cada dia"? Por acaso ele sabe rezar o Pai-Nosso? Ou também não precisa? Num mundo sufocado pelas necessidades artificiais, em que vamos aos tropeções, em massas compactas de seres que se sentem solitários, famintos de afeto, de prazeres intoxicantes, de deuses que nos acudam, de um copo d´água, de uma esmola, de aparecer na coluna social fazendo caridade, de azeite "trufado", qual o significado de um iogue que não sente fome? Será que ele sente desejo? Talvez até exista vida depois da morte, mas pode existir vida além do desejo de viver? Que pergunta nos espreita nos olhos plácidos de Prahlad Jani?
E que jornalismo é o nosso, que não encara essa pergunta?
O jornalismo fantástico
Postado por
Marcel
Por Luciano Martins Costa
(no site do Observatório da Imprensa)
Os principais jornais brasileiros entram na onda de espetacularizar a notícia e anunciam que o ser humano acaba de criar a vida.O Globo é o mais enfático: "Criada vida artificial", diz a manchete do jornal carioca. A Folha de S.Paulo vai na mesma linha e apregoa: "Ciência cria primeira célula sintética". O Estado de S.Paulo, mais comedido, informa que "Cientistas anunciam ter criado forma `sintética´ de vida".
No interior dos jornais, logo após os textos explicativos fornecidos por agências internacionais a partir de artigo publicado na revista Science, alguns especialistas reduzem o impacto das manchetes.
A rigor, segundo especialistas citados pelos jornais, os cientistas financiados pela empresa americana Synthetic Genomics não criaram vida a partir do nada. O que eles fizeram foi mapear rigorosamente o DNA de uma bactéria, guardar essas informações em um computador e depois introduzi-las em uma célula de uma bactéria de outra espécie "esvaziada" de material genético.
Reativada com as informações armazenadas no computador, a bactéria que estava inativa voltou à vida e suas células se reproduziram, replicando as características impressas pelos pesquisadores.
Vida inteligente
Trata-se, segundo alguns especialistas citados pelos jornais, de uma espetacular façanha técnica, mas não de uma revolução científica, como fazem crer as manchetes.
O líder da equipe de pesquisadores é o geneticista americano James Craig Venter, um dos autores do projeto Genoma e também dono da empresa que irá se beneficiar da patente gerada pelo projeto, o que pode contaminar sua avaliação científica.
Mesmo com sua enorme importância para o conhecimento humano, a proeza dos cientistas da Synthetic Genomics ainda não significa, como dão a entender os jornais, a criação sintética de vida – o que remete a certo vício da imprensa.
Seja em relação à ciência, à economia ou à política, os jornais seguem mapeando a história a partir de fatos espetaculosos, como se coubesse à imprensa determinar onde devam se situar os grandes eventos da humanidade.
Talvez seja mesmo mais fácil criar vida sintética nas páginas do jornal do que encontrar vida inteligente no mundo real.
(no site do Observatório da Imprensa)
Os principais jornais brasileiros entram na onda de espetacularizar a notícia e anunciam que o ser humano acaba de criar a vida.O Globo é o mais enfático: "Criada vida artificial", diz a manchete do jornal carioca. A Folha de S.Paulo vai na mesma linha e apregoa: "Ciência cria primeira célula sintética". O Estado de S.Paulo, mais comedido, informa que "Cientistas anunciam ter criado forma `sintética´ de vida".
No interior dos jornais, logo após os textos explicativos fornecidos por agências internacionais a partir de artigo publicado na revista Science, alguns especialistas reduzem o impacto das manchetes.
A rigor, segundo especialistas citados pelos jornais, os cientistas financiados pela empresa americana Synthetic Genomics não criaram vida a partir do nada. O que eles fizeram foi mapear rigorosamente o DNA de uma bactéria, guardar essas informações em um computador e depois introduzi-las em uma célula de uma bactéria de outra espécie "esvaziada" de material genético.
Reativada com as informações armazenadas no computador, a bactéria que estava inativa voltou à vida e suas células se reproduziram, replicando as características impressas pelos pesquisadores.
Vida inteligente
Trata-se, segundo alguns especialistas citados pelos jornais, de uma espetacular façanha técnica, mas não de uma revolução científica, como fazem crer as manchetes.
O líder da equipe de pesquisadores é o geneticista americano James Craig Venter, um dos autores do projeto Genoma e também dono da empresa que irá se beneficiar da patente gerada pelo projeto, o que pode contaminar sua avaliação científica.
Mesmo com sua enorme importância para o conhecimento humano, a proeza dos cientistas da Synthetic Genomics ainda não significa, como dão a entender os jornais, a criação sintética de vida – o que remete a certo vício da imprensa.
Seja em relação à ciência, à economia ou à política, os jornais seguem mapeando a história a partir de fatos espetaculosos, como se coubesse à imprensa determinar onde devam se situar os grandes eventos da humanidade.
Talvez seja mesmo mais fácil criar vida sintética nas páginas do jornal do que encontrar vida inteligente no mundo real.
sexta-feira, maio 07, 2010
Com Newsweek à venda, uma era se desfaz
Postado por
Marcel
do Blog Jornalismo nas Américas
Durante várias décadas, as revistas Time e Newsweek lutaram para definir a agenda americana de notícias. Mas com o anúncio, esta semana, de que aWashington Post Co. pretende vender a Newsweek, a era das revistas semanais parece estar chegando ao fim, analisa o New York Times. (Leia a matéria em português)
Publicada há 77 anos, a semanal vem enfrentando graves problemas financeiros: teve prejuízos de US$ 28,1 milhões em 2009, com a diminuição da publicidade e da receita com assinantes, diz o NYT. A circulação, de 3,14 milhões no começo do ano 2000, caiu para 1,97 milhão no fim de 2009. Em 2009, a Newsweekcortou funcionários e tentou se salvar publicando mais artigos de opinião e análise.
A imprensa americana apontou que as revistas semanais estão perdendo lugar num ambiente em que os assuntos são fragmentados e a internet torna as notícias ultrapassadas. "Estamos todos numa crise existencial", disse o editor da Newsweek, Jon Meacham. Mas ele disse acreditar que as semanais ainda têm um papel importante a cumprir: "Numa era em que existem tão poucos denominadores comuns em nossa cultura (...), não existem muitos outros lugares onde você tenha a oportunidade de ter uma conversa comum." A Newsweek colocou em seu site a entrevista em que Meacham comenta a situação da revista.
Durante várias décadas, as revistas Time e Newsweek lutaram para definir a agenda americana de notícias. Mas com o anúncio, esta semana, de que aWashington Post Co. pretende vender a Newsweek, a era das revistas semanais parece estar chegando ao fim, analisa o New York Times. (Leia a matéria em português)
Publicada há 77 anos, a semanal vem enfrentando graves problemas financeiros: teve prejuízos de US$ 28,1 milhões em 2009, com a diminuição da publicidade e da receita com assinantes, diz o NYT. A circulação, de 3,14 milhões no começo do ano 2000, caiu para 1,97 milhão no fim de 2009. Em 2009, a Newsweekcortou funcionários e tentou se salvar publicando mais artigos de opinião e análise.
A imprensa americana apontou que as revistas semanais estão perdendo lugar num ambiente em que os assuntos são fragmentados e a internet torna as notícias ultrapassadas. "Estamos todos numa crise existencial", disse o editor da Newsweek, Jon Meacham. Mas ele disse acreditar que as semanais ainda têm um papel importante a cumprir: "Numa era em que existem tão poucos denominadores comuns em nossa cultura (...), não existem muitos outros lugares onde você tenha a oportunidade de ter uma conversa comum." A Newsweek colocou em seu site a entrevista em que Meacham comenta a situação da revista.
quinta-feira, maio 06, 2010
“Nota da ABA sobre matéria da revista ‘Veja
Postado por
Marcel
Publicado no Jornal da Ciência
Frente à publicação de matéria intitulada 'A farra da antropologia oportunista' (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), a diretoria da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em nome de seus associados, clama pelo exercício de jornalismo responsável, exigindo respeito à atuação profissional do quadro de antropólogos disponível no Brasil, formados pelos mais rigorosos cânones científicos e regidos por estritas diretrizes éticas, teóricas, epistemológicas e metodológicas, reconhecidas internacionalmente e avaliadas por pares da mais elevada estatura cientifica, bem como por autoridades de áreas afins.
A ABA reserva-se ao direito de exigir dos editores da revista semanal 'Veja' que publique matéria em desagravo pelo desrespeito generalizado aos profissionais e acadêmicos da área."
"Nota da Comissão de Assuntos Indígenas-CAI/ABA
A reportagem divulgada pelo último número da revista 'Veja', provocativamente intitulada "Farra da Antropologia oportunista", acarretou uma ampla e profunda indignação entre os antropólogos, especialmente aqueles que pesquisam e trabalham com temas relacionados aos povos indígenas. Dados quantitativos inteiramente equivocados e fantasiosos (como o de que menos de 10% das terras estariam livres para usos econômicos, pois 90% estariam em mãos de indígenas, quilombolas e unidades ambientais!!!) conjugam-se à sistemática deformação da atuação dos antropólogos em processos administrativos e jurídicos relativos a definição de terras indígenas.
Afirmações como a de que laudos e perícias seriam encomendados pela Funai [Fundação Nacional do Índio] a antropólogos das ONGs e pagos em função do número de indígenas e terras "identificadas" (!) são obviamente falsas e irresponsáveis. As perícias são contratações realizadas pelos juízes visando subsidiar técnica e cientificamente os casos em exame, como quaisquer outras perícias usuais em procedimentos legais. Para isto o juiz seleciona currículos e se apóia na experiência da PGR e em consultas a ABA para a indicação de profissionais habilitados. Quando a Funai seleciona antropólogos para trabalhos antropológicos o faz seguindo os procedimentos e cautelas da administração pública. Os profissionais que realizam tais tarefas foram todos formados e treinados nas universidades e programas de pós-graduação existentes no país, como parte integrante do sistema brasileiro de ciência e tecnologia. A imagem que a reportagem tenta criar da política indigenista como uma verdadeira terra de ninguém, ao sabor do arbítrio e das negociatas, é um absurdo completo e tem apenas por finalidade deslegitimar o direito de coletividades anteriormente subalternizadas e marginalizadas.
Não há qualquer esforço em ser analítico, em ouvir os argumentos dos que ali foram violentamente criticados e ridicularizados. A maneira insultuosa com que são referidas diversas lideranças indígenas e quilombolas, bem como truncadas as suas declarações, também surpreende e causa revolta. Subtítulos como "os novos canibais", "macumbeiros de cocar", "teatrinho na praia", "made in Paraguai", "os carambolas", explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas tais pessoas. Enquanto nas criticas aos antropólogos raramente são mencionados nomes (possivelmente para não gerar demandas por direito de resposta), para os indígenas o tratamento ultrajante é na maioria das vezes individualizado e a pessoa agredida abertamente identificada. Algumas vezes até isto vem acompanhado de foto.
A linguagem utilizada é unicamente acusatória, servindo-se extensamente da chacota, da difamação e do desrespeito. As diversas situações abordadas foram tratadas com extrema superficialidade, as descrições de fatos assim como a colocação de adjetivos ocorreram sempre de modo totalmente genérico e descontextualizado, sem qualquer indicação de fontes. Um dos antropólogos citado como supostamente endossando o ponto de vista dos autores da reportagem afirmou taxativamente que não concorda e jamais disse o que a revista lhe atribuiu, considerando a matéria "repugnante". O outro, que foi presidente da Funai por 4 anos, critica duramente a matéria e destaca igualmente que a citação dele feita corresponde a "uma frase impronunciada" e de "sentido desvirtuante" de sua própria visão. Como comenta ironicamente o jornalista Luciano Martins Costa, na edição de 03-05-2010 do Observatório da Imprensa, "Veja acaba de inventar a reserva de frases manipuladas".
A agressão sofrida pelos antropólogos não é de maneira alguma nova nem os personagens envolvidos são desconhecidos. Um breve sobrevoo dos últimos anos evidencia isto. O antropólogo Stephen Baines em 2006 concedeu uma longa entrevista a Veja sobre os índios Waimiri-Atroari, população sobre a qual escrevera anos antes sua tese de doutoramento. A matéria não saiu, mas poucos meses depois, uma reportagem intitulada "Os Falsos Índios", publicada em 29 de março de 2006, defendendo claramente os interesses das grandes mineradoras e empresas hidroelétricas em terras indígenas, inverteu de maneira grosseira as declarações do antropólogo (pg. 87). Apesar dos insistentes pedidos do antropólogo para retificação, sua carta de esclarecimento jamais foi publicada pela revista. O autor da entrevista não publicada e da reportagem era o Sr. Leonardo Coutinho, um dos autores da matéria divulgada na última semana pelo mesmo meio de comunicação.
Em 14-03-2007, na edição 1999, entre as pgs. 56 e 58, uma nova invectiva contra os indígenas foi realizada pela Veja, agora visando o povo Guarani e tendo como título "Made in Paraguai – A FUNAI tenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome". O autor era José Edward, parceiro de Leonardo Coutinho, na matéria citada no parágrafo anterior. Curiosamente um subtítulo foi repetido na matéria da semana passada – "Made In Paraguay". O então presidente da ABA, Luis Roberto Cardoso de Oliveira, solicitou o direito de resposta e encaminhou um texto à revista, que nem sequer lhe respondeu.
Poucos meses depois a revista Veja, em sua edição 2021, voltou à carga com grande sensacionalismo. A matéria de 15-08-2007 era intitulada "Crimes na Floresta – Muitas tribos brasileiras ainda matam crianças e a FUNAI nada faz para impedir o infanticídio" (pgs. 104-106). O subtítulo diz explicitamente que o infanticídio não teria sido abandonado pelos indígenas em razão do "apoio de antropólogos e a tolerância da FUNAI." A matéria novamente foi assinada pelo mesmo Leonardo Coutinho. Novamente o protesto da ABA foi ignorado pela revista e pode circular apenas através do site da entidade.
Em suma, jornalismo opinativo não pode significar um exercício impune da mentira nem práticas sistemáticas de detratação sem admissão de di reito de resposta. O mérito de uma opinião decorre de informação qualificada, de isenção e equilíbrio. Ao menos no que concerne aos indígenas as matérias elaboradas pela Veja, apenas requentam informações velhas, descontextualizadas e superficiais, assumindo as características de uma campanha, orquestrada sempre pelos mesmos figurantes, que procuram pela reiteração inculcar posturas preconceituosas na opinião pública.
No acima citado comentário do Observatório da Imprensa o jornalista Luciano Martins Costa aprendeu muito bem e expôs sinteticamente o argumento central da revista no que concerne a assuntos indígenas: "A revista afirma que existe uma organização altamente articulada que se dedica a congelar grandes fatias do território nacional, formada por organizações não governamentais e apoiada por antropólogos. Essa suposta "indústria da demarcação" seria a grande ameaça ao futuro do Brasil." Este é o argumento constante que reúne não só a matéria da semana passada, ma s as intervenções anteriores da revista sobre o tema. Os elos de continuidade fazem lembrar uma verdadeira campanha.
Numa análise minuciosa desta revista, realizada em seu site, o jornalista Luis Nassif fala de uma perigosa proximidade entre lobistas e repórteres nas revistas classificadas como do estilo "neocon". A presença de "reporteres de dossier" é uma outra característica deste tipo de revista. À luz destes comentários caberia atentar para a lista de situações onde a condição de indígenas é sistematicamente questionada pela revista. Aí aparecem os Anacés, que vivem no município de São Gonçalo do Amarante (onde está o porto de Pecem, no Ceará); os Guarani-M'bià, confrontados por uma proposta do megainvestidor Eike Batista de construção de um grande porto em Peruíbe, São Paulo; e os mesmos Guaranis de Morro dos Cavalos (SC), que lutam contra interesses poderosos, sendo qualificados como "paraguaios" (tal como, aliás, os seus parentes Kayowá e Nandevá do Mato Grosso do Sul, em confronto com o agro-negócio pelo reconhecimento de suas terras).
Como o objetivo último é enfraquecer os direitos indígenas (que naturalmente se materializam em disputas concretas muitas vezes com poderosos interesses privados), os alvos centrais destes ataques tornam-se os antropólogos, os líderes indígenas e os seus aliados (a matéria cita o Conselho Indigenista Missionário/CIMI por várias vezes e sempre de forma igualmente desrespeitosa e inadequada).
É neste sentido que a CAI vem expressar sua posição quanto a necessidade de uma responsabilização legal dos praticantes de tal jornalismo, processando-os por danos morais e difamação. Neste momento a Presidência da ABA, está em conjunto com seus assessores no campo jurídico, visando definir a estratégia processual de intervenção a seguir.
Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para , através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão."
João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas/CAI
Aqui o link para o PDF (no site da ABA):
http://www.abant.org.br/conteudo/005COMISSOESGTS/Documentos%20da%20CAI/NotaCAI-ABA.pdf
É isso aí. Não partilho que a revista VEJA deve ser apenas responsabilizada crininalmente a pagar uma indenização para os injuriados pela reportagem (e pelas reportagens). É papel relevante sim, desmentir com argumentos os absurdos que a revista publica. Estas duas ações são necessárias.
Saudações.
Frente à publicação de matéria intitulada 'A farra da antropologia oportunista' (Veja ano 43 nº 18, de 05/05/2010), a diretoria da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em nome de seus associados, clama pelo exercício de jornalismo responsável, exigindo respeito à atuação profissional do quadro de antropólogos disponível no Brasil, formados pelos mais rigorosos cânones científicos e regidos por estritas diretrizes éticas, teóricas, epistemológicas e metodológicas, reconhecidas internacionalmente e avaliadas por pares da mais elevada estatura cientifica, bem como por autoridades de áreas afins.
A ABA reserva-se ao direito de exigir dos editores da revista semanal 'Veja' que publique matéria em desagravo pelo desrespeito generalizado aos profissionais e acadêmicos da área."
"Nota da Comissão de Assuntos Indígenas-CAI/ABA
A reportagem divulgada pelo último número da revista 'Veja', provocativamente intitulada "Farra da Antropologia oportunista", acarretou uma ampla e profunda indignação entre os antropólogos, especialmente aqueles que pesquisam e trabalham com temas relacionados aos povos indígenas. Dados quantitativos inteiramente equivocados e fantasiosos (como o de que menos de 10% das terras estariam livres para usos econômicos, pois 90% estariam em mãos de indígenas, quilombolas e unidades ambientais!!!) conjugam-se à sistemática deformação da atuação dos antropólogos em processos administrativos e jurídicos relativos a definição de terras indígenas.
Afirmações como a de que laudos e perícias seriam encomendados pela Funai [Fundação Nacional do Índio] a antropólogos das ONGs e pagos em função do número de indígenas e terras "identificadas" (!) são obviamente falsas e irresponsáveis. As perícias são contratações realizadas pelos juízes visando subsidiar técnica e cientificamente os casos em exame, como quaisquer outras perícias usuais em procedimentos legais. Para isto o juiz seleciona currículos e se apóia na experiência da PGR e em consultas a ABA para a indicação de profissionais habilitados. Quando a Funai seleciona antropólogos para trabalhos antropológicos o faz seguindo os procedimentos e cautelas da administração pública. Os profissionais que realizam tais tarefas foram todos formados e treinados nas universidades e programas de pós-graduação existentes no país, como parte integrante do sistema brasileiro de ciência e tecnologia. A imagem que a reportagem tenta criar da política indigenista como uma verdadeira terra de ninguém, ao sabor do arbítrio e das negociatas, é um absurdo completo e tem apenas por finalidade deslegitimar o direito de coletividades anteriormente subalternizadas e marginalizadas.
Não há qualquer esforço em ser analítico, em ouvir os argumentos dos que ali foram violentamente criticados e ridicularizados. A maneira insultuosa com que são referidas diversas lideranças indígenas e quilombolas, bem como truncadas as suas declarações, também surpreende e causa revolta. Subtítulos como "os novos canibais", "macumbeiros de cocar", "teatrinho na praia", "made in Paraguai", "os carambolas", explicitam o desprezo e o preconceito com que foram tratadas tais pessoas. Enquanto nas criticas aos antropólogos raramente são mencionados nomes (possivelmente para não gerar demandas por direito de resposta), para os indígenas o tratamento ultrajante é na maioria das vezes individualizado e a pessoa agredida abertamente identificada. Algumas vezes até isto vem acompanhado de foto.
A linguagem utilizada é unicamente acusatória, servindo-se extensamente da chacota, da difamação e do desrespeito. As diversas situações abordadas foram tratadas com extrema superficialidade, as descrições de fatos assim como a colocação de adjetivos ocorreram sempre de modo totalmente genérico e descontextualizado, sem qualquer indicação de fontes. Um dos antropólogos citado como supostamente endossando o ponto de vista dos autores da reportagem afirmou taxativamente que não concorda e jamais disse o que a revista lhe atribuiu, considerando a matéria "repugnante". O outro, que foi presidente da Funai por 4 anos, critica duramente a matéria e destaca igualmente que a citação dele feita corresponde a "uma frase impronunciada" e de "sentido desvirtuante" de sua própria visão. Como comenta ironicamente o jornalista Luciano Martins Costa, na edição de 03-05-2010 do Observatório da Imprensa, "Veja acaba de inventar a reserva de frases manipuladas".
A agressão sofrida pelos antropólogos não é de maneira alguma nova nem os personagens envolvidos são desconhecidos. Um breve sobrevoo dos últimos anos evidencia isto. O antropólogo Stephen Baines em 2006 concedeu uma longa entrevista a Veja sobre os índios Waimiri-Atroari, população sobre a qual escrevera anos antes sua tese de doutoramento. A matéria não saiu, mas poucos meses depois, uma reportagem intitulada "Os Falsos Índios", publicada em 29 de março de 2006, defendendo claramente os interesses das grandes mineradoras e empresas hidroelétricas em terras indígenas, inverteu de maneira grosseira as declarações do antropólogo (pg. 87). Apesar dos insistentes pedidos do antropólogo para retificação, sua carta de esclarecimento jamais foi publicada pela revista. O autor da entrevista não publicada e da reportagem era o Sr. Leonardo Coutinho, um dos autores da matéria divulgada na última semana pelo mesmo meio de comunicação.
Em 14-03-2007, na edição 1999, entre as pgs. 56 e 58, uma nova invectiva contra os indígenas foi realizada pela Veja, agora visando o povo Guarani e tendo como título "Made in Paraguai – A FUNAI tenta demarcar área de Santa Catarina para índios paraguaios, enquanto os do Brasil morrem de fome". O autor era José Edward, parceiro de Leonardo Coutinho, na matéria citada no parágrafo anterior. Curiosamente um subtítulo foi repetido na matéria da semana passada – "Made In Paraguay". O então presidente da ABA, Luis Roberto Cardoso de Oliveira, solicitou o direito de resposta e encaminhou um texto à revista, que nem sequer lhe respondeu.
Poucos meses depois a revista Veja, em sua edição 2021, voltou à carga com grande sensacionalismo. A matéria de 15-08-2007 era intitulada "Crimes na Floresta – Muitas tribos brasileiras ainda matam crianças e a FUNAI nada faz para impedir o infanticídio" (pgs. 104-106). O subtítulo diz explicitamente que o infanticídio não teria sido abandonado pelos indígenas em razão do "apoio de antropólogos e a tolerância da FUNAI." A matéria novamente foi assinada pelo mesmo Leonardo Coutinho. Novamente o protesto da ABA foi ignorado pela revista e pode circular apenas através do site da entidade.
Em suma, jornalismo opinativo não pode significar um exercício impune da mentira nem práticas sistemáticas de detratação sem admissão de di reito de resposta. O mérito de uma opinião decorre de informação qualificada, de isenção e equilíbrio. Ao menos no que concerne aos indígenas as matérias elaboradas pela Veja, apenas requentam informações velhas, descontextualizadas e superficiais, assumindo as características de uma campanha, orquestrada sempre pelos mesmos figurantes, que procuram pela reiteração inculcar posturas preconceituosas na opinião pública.
No acima citado comentário do Observatório da Imprensa o jornalista Luciano Martins Costa aprendeu muito bem e expôs sinteticamente o argumento central da revista no que concerne a assuntos indígenas: "A revista afirma que existe uma organização altamente articulada que se dedica a congelar grandes fatias do território nacional, formada por organizações não governamentais e apoiada por antropólogos. Essa suposta "indústria da demarcação" seria a grande ameaça ao futuro do Brasil." Este é o argumento constante que reúne não só a matéria da semana passada, ma s as intervenções anteriores da revista sobre o tema. Os elos de continuidade fazem lembrar uma verdadeira campanha.
Numa análise minuciosa desta revista, realizada em seu site, o jornalista Luis Nassif fala de uma perigosa proximidade entre lobistas e repórteres nas revistas classificadas como do estilo "neocon". A presença de "reporteres de dossier" é uma outra característica deste tipo de revista. À luz destes comentários caberia atentar para a lista de situações onde a condição de indígenas é sistematicamente questionada pela revista. Aí aparecem os Anacés, que vivem no município de São Gonçalo do Amarante (onde está o porto de Pecem, no Ceará); os Guarani-M'bià, confrontados por uma proposta do megainvestidor Eike Batista de construção de um grande porto em Peruíbe, São Paulo; e os mesmos Guaranis de Morro dos Cavalos (SC), que lutam contra interesses poderosos, sendo qualificados como "paraguaios" (tal como, aliás, os seus parentes Kayowá e Nandevá do Mato Grosso do Sul, em confronto com o agro-negócio pelo reconhecimento de suas terras).
Como o objetivo último é enfraquecer os direitos indígenas (que naturalmente se materializam em disputas concretas muitas vezes com poderosos interesses privados), os alvos centrais destes ataques tornam-se os antropólogos, os líderes indígenas e os seus aliados (a matéria cita o Conselho Indigenista Missionário/CIMI por várias vezes e sempre de forma igualmente desrespeitosa e inadequada).
É neste sentido que a CAI vem expressar sua posição quanto a necessidade de uma responsabilização legal dos praticantes de tal jornalismo, processando-os por danos morais e difamação. Neste momento a Presidência da ABA, está em conjunto com seus assessores no campo jurídico, visando definir a estratégia processual de intervenção a seguir.
Dada a assimetria de recursos existentes, contamos com a mobilização dos antropólogos e de todos que se preocupam com a defesa dos direitos indígenas para , através de sites, listas na Internet, discussões e publicações variadas, vir a contribuir para o esclarecimento da opinião pública, anulando a ação nefasta das matérias mentirosas acima mencionadas. Que não devem ser vistas como episódios isolados, mas como manifestações de um poder abusivo que pretende inviabilizar o cumprimento de direitos constitucionais, abafando as vozes das coletividades subalternizadas e cerceando o livre debate e a reflexão dos cidadãos. No que toca aos indígenas em especial a Veja tem exercitado com inteira impunidade o direito de desinformar a opinião pública, realimentar velhos estigmas e preconceitos, e inculcar argumentos de encomenda que não resistem a qualquer exame ou discussão."
João Pacheco de Oliveira
Coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas/CAI
Aqui o link para o PDF (no site da ABA):
http://www.abant.org.br/conteudo/005COMISSOESGTS/Documentos%20da%20CAI/NotaCAI-ABA.pdf
É isso aí. Não partilho que a revista VEJA deve ser apenas responsabilizada crininalmente a pagar uma indenização para os injuriados pela reportagem (e pelas reportagens). É papel relevante sim, desmentir com argumentos os absurdos que a revista publica. Estas duas ações são necessárias.
Saudações.
COMENTÁRIO - A pergunta que fica é: até quando a revista Veja acha que irá conseguir levar essa política em sua redação? O trabalho em rede que cresce a cada dia amplia o nível crítico de leitura da população que, consequentemente, deixa de consumir produtos que se sujeitam a divulgar informações inventadas como essa. É um tiro no pé. Não só do ponto de vista jurídico, pois vem processo pela frente, como também jornalístico. A dimensão de um grave problema como esse se alastra pela rede e suja a imagem da Veja. Haverá uma hora que o anunciante não aceitará mais sua marca atrelada a um produto que é acusada de inventar frases e não aceitar o contraditório. A manutenção dessa política tem um caminho certo e que todos sabemos. Mas qual será o ponto da curva? Só a Veja sabe.
sexta-feira, abril 30, 2010
A curiosa retórica neocon tupiniquim
Postado por
Marcel
Retirado do Blog do Nassif - www.luisnassif.com.br
É curiosa a maneira como se desenvolveu a retórica neocon na Internet. Não se trata de nenhuma construção sofisticada, de sofismas engenhosos. É muito mais um conjunto de recursos presentes em brigas de valentões de bar ou bate-bocas de vizinhos, uma espécie de versão para adultos da fábula do lobo e da ovelha.
O ponto central é embaralhar a gravidade dos fatos, montar uma argumentação que transforme em fatos graves qualquer atitude banal do adversário e em fato banal qualquer atitude grave da sua parte. Quando houver reação à ofensa grave cometida, chame a vítima de "chorão", de dodói ou coisas do gênero.
O Eduardo Graeff é um bom estudo de caso porque passou a assimilar essa retórica não tendo historicamente praticado o cinismo na sua vida intelectual. Então entra no jogo como o almofadinha intelectual que resolve dançar rumba.
Dia desses fui ao cinema com as menininhas, no Shopping Metrô Santa Cruz. Bati boca com um sujeito que furou a fila. Suas respostas despertaram minha atenção para esse jogo de sofismas de barraco. O bate-boca foi muito instrutivo, porque o sujeito assimilou essa retórica de boteco provavelmente de alguns blogs de esgoto.
Acompanhe:
Estávamos na fila da pipoca quando o marmanjo passou à frente, intimidou a mocinha que servia e exigiu que fosse servido primeiro. Chamei sua atenção, de que estava furando a fila. O nível de seus argumentos me trouxe à lembrança imediatamente esse tipo de sofisma que campeia nesse mundo neocon. É tema muito interessante para linguistas ou estudiosos dessas retóricas vulgares. Confira:
- Você está furando a fila.
- Vou furar mesmo. Minha compra é muito menor do que a sua.
- Não importa. Você está furando a fila.
- Não me venha com essas lições de moral politicamente corretas. Só porque você acha que está certo se dá o direito de me criticar por uma ninharia.
- Prezado, não inverta a lógica: você está errado em furar a fila.
- E você acha certo bater boca com estranhos na frente das suas filhas por uma coisa de nada?
- O que não é certo é furar a fila. Ensinei a elas que não se deve furar fila e quem fura fila se sujeita a levar chamadas de estranhos.
- Você não tem vergonha de discutir comigo na frente de suas filhas?
- Você não tem vergonha de furar a fila e levar pito de terceiros?
- Não me diga que você nunca furou filas?
- Não, senhor, e ensino minhas filhas que é feio furar filas.
É exasperante esse tipo de retórica.
Outra versão é do sujeito que, por exemplo, chuta uma velhinha. Você chama sua atenção, que absurdo chutar a velhinha. E ele se vira e diz: o que é que tem chutar velhinha, para de fazer drama.
Obviamente o exemplo acima é uma caricatura, mas serve para ilustrar essa loucura que se tornou padrão na Internet.
Por exemplo, passei a sofrer ataques difamatórios no Twitter. Identifiquei os mais agressivos e dei visibilidade aqui. Um deles me acusou de estar perseguindo-os. Outro disse que tremia de medo de sofrer um atentado. Um terceiro me acusou de chorão.
Esse tipo de lógica de botequim foi aplicada pelo Mainardi no auge do jornalismo de esgoto. Quando Paulo Henrique o processou, alegou que jornalista não processava jornalista e que o Paulo era fraco, por não aguentar pancada.
Quando montei minha série sobre a Veja, foi correndo esconder-se atrás dos advogados da Abril para me processar – com a Abril bancando as custas. Seria interessante nossos especialistas discorrerem e sistematizarem esse tipo de jogo retórico.
É curiosa a maneira como se desenvolveu a retórica neocon na Internet. Não se trata de nenhuma construção sofisticada, de sofismas engenhosos. É muito mais um conjunto de recursos presentes em brigas de valentões de bar ou bate-bocas de vizinhos, uma espécie de versão para adultos da fábula do lobo e da ovelha.
O ponto central é embaralhar a gravidade dos fatos, montar uma argumentação que transforme em fatos graves qualquer atitude banal do adversário e em fato banal qualquer atitude grave da sua parte. Quando houver reação à ofensa grave cometida, chame a vítima de "chorão", de dodói ou coisas do gênero.
O Eduardo Graeff é um bom estudo de caso porque passou a assimilar essa retórica não tendo historicamente praticado o cinismo na sua vida intelectual. Então entra no jogo como o almofadinha intelectual que resolve dançar rumba.
Dia desses fui ao cinema com as menininhas, no Shopping Metrô Santa Cruz. Bati boca com um sujeito que furou a fila. Suas respostas despertaram minha atenção para esse jogo de sofismas de barraco. O bate-boca foi muito instrutivo, porque o sujeito assimilou essa retórica de boteco provavelmente de alguns blogs de esgoto.
Acompanhe:
Estávamos na fila da pipoca quando o marmanjo passou à frente, intimidou a mocinha que servia e exigiu que fosse servido primeiro. Chamei sua atenção, de que estava furando a fila. O nível de seus argumentos me trouxe à lembrança imediatamente esse tipo de sofisma que campeia nesse mundo neocon. É tema muito interessante para linguistas ou estudiosos dessas retóricas vulgares. Confira:
- Você está furando a fila.
- Vou furar mesmo. Minha compra é muito menor do que a sua.
- Não importa. Você está furando a fila.
- Não me venha com essas lições de moral politicamente corretas. Só porque você acha que está certo se dá o direito de me criticar por uma ninharia.
- Prezado, não inverta a lógica: você está errado em furar a fila.
- E você acha certo bater boca com estranhos na frente das suas filhas por uma coisa de nada?
- O que não é certo é furar a fila. Ensinei a elas que não se deve furar fila e quem fura fila se sujeita a levar chamadas de estranhos.
- Você não tem vergonha de discutir comigo na frente de suas filhas?
- Você não tem vergonha de furar a fila e levar pito de terceiros?
- Não me diga que você nunca furou filas?
- Não, senhor, e ensino minhas filhas que é feio furar filas.
É exasperante esse tipo de retórica.
Outra versão é do sujeito que, por exemplo, chuta uma velhinha. Você chama sua atenção, que absurdo chutar a velhinha. E ele se vira e diz: o que é que tem chutar velhinha, para de fazer drama.
Obviamente o exemplo acima é uma caricatura, mas serve para ilustrar essa loucura que se tornou padrão na Internet.
Por exemplo, passei a sofrer ataques difamatórios no Twitter. Identifiquei os mais agressivos e dei visibilidade aqui. Um deles me acusou de estar perseguindo-os. Outro disse que tremia de medo de sofrer um atentado. Um terceiro me acusou de chorão.
Esse tipo de lógica de botequim foi aplicada pelo Mainardi no auge do jornalismo de esgoto. Quando Paulo Henrique o processou, alegou que jornalista não processava jornalista e que o Paulo era fraco, por não aguentar pancada.
Quando montei minha série sobre a Veja, foi correndo esconder-se atrás dos advogados da Abril para me processar – com a Abril bancando as custas. Seria interessante nossos especialistas discorrerem e sistematizarem esse tipo de jogo retórico.
sábado, abril 10, 2010
Cidadãos se destacam na cobertura das chuvas no Rio
Postado por
Marcel
Retirado do boletim do Knight Center for Journalism in the Americas
Na cobertura das chuvas que pararam o Rio de Janeiro esta semana, causando a morte de mais de 190 pessoas, a participação dos cidadãos como jornalistas chamou a atenção. Além dos registros em blogs e no Twitter, eles enviaram uma enorme quantidade de fotos, textos e vídeos para os meios de comunicação tradicionais, possibilitando uma cobertura imediata e abrangente que nunca teria sido possível se os repórteres estivessem trabalhando sozinhos.
“No fim da manhã, enquanto muitos jornalistas ainda tentavam chegar às redações, ilhados como tantos cariocas, sites de notícias já veiculavam fotos, vídeos amadores e depoimentos de cidadãos registrando o caos instalado em toda a cidade”, aponta a jornalista Larissa Morais, professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal Fluminense, neste artigo publicado no Observatório da Imprensa.
Um dos aspectos mais positivos dessa cobertura, ela aponta, é que o noticiário chegou a locais tradicionalmente esquecidos pela grande mídia, como bairros e municípios do subúrbio.
Na cobertura das chuvas que pararam o Rio de Janeiro esta semana, causando a morte de mais de 190 pessoas, a participação dos cidadãos como jornalistas chamou a atenção. Além dos registros em blogs e no Twitter, eles enviaram uma enorme quantidade de fotos, textos e vídeos para os meios de comunicação tradicionais, possibilitando uma cobertura imediata e abrangente que nunca teria sido possível se os repórteres estivessem trabalhando sozinhos.
“No fim da manhã, enquanto muitos jornalistas ainda tentavam chegar às redações, ilhados como tantos cariocas, sites de notícias já veiculavam fotos, vídeos amadores e depoimentos de cidadãos registrando o caos instalado em toda a cidade”, aponta a jornalista Larissa Morais, professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal Fluminense, neste artigo publicado no Observatório da Imprensa.
Um dos aspectos mais positivos dessa cobertura, ela aponta, é que o noticiário chegou a locais tradicionalmente esquecidos pela grande mídia, como bairros e municípios do subúrbio.
sábado, abril 04, 2009
Justiça da Colômbia dá sentença favorável a revista que se negava a publicar terceira correção
Postado por
Marcel

A corte decidiu em última instância que a correção feita pela revista colombiana Semana, sobre uma reportagem que mostrava suposta influência de um cidadão privado no sistema judicial do país, foi suficiente e seguiu a Constituição, informa a própria publicação. A ordem de prisão por desacato contra o editor-chefe da revista, Alejandro Santos, foi retirada.
A revista levava uma briga jurídica com o magistrado Alfredo Escobar Araújo, que exigia que houvesse uma correção na primeira página. Recentemente, um juíz ordenou a prisão de três dias de Santos pelo desacato da terceira retificação, ordenada pela justiça em duas instâncias, explica o El Tiempo.
No entanto, a Corte Constitucional considerou cumpridas as correções já publicadas pela revista e ratificou que sentenças que obrigam meios de comunicação a corrigir informações não podem determinar sua data, diagramação, nem publicação.
Comentário - A Justiça de um país muda muito para a de outro. A minha impressão é que a internet e os novos meios de comunicação, proporcionados pela World Wide Web, acabaram jogando por terra o título de quarto poder da mídia tradicional e anciã. Agora, os tribunais menores passam a notar essa "queda" e não temem mais em julgar a mídia como uma qualquer, sob uma ótica legal posta a todo cidadão comum. Esse movimento ainda não chegou aos tribunais superiores, ainda muito ligados às questões políticas.
Caso queira ver a matéria, clique aqui
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